Somos mais do que um grande celeiro
01/04/2010 15:07:40
“A experiência mostra que a exploração dos recursos naturais, por si só, não garante o desenvolvimento. Mas, sem recursos naturais, o desenvolvimento torna-se penoso”, afirma o diretor do Instituto de Economia da Unicamp, Mariano Laplane, responsável pela organização do encontro.
Nos últimos cinco anos, a participação das commodities nas exportações brasileiras ampliou-se em um ritmo médio superior a 6% ao ano, de acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Em 2009, quando as vendas ao exterior levaram um tombo de quase 30% sob os efeitos da crise financeira internacional, a fatia dos produtos básicos cresceu de 44,8% para 50,2%, o que contribuiu para evitar que o Brasil registrasse déficit na balança comercial.
Mas não é só nas contas externas que se mede o peso dos produtos primários na promoção do desenvolvimento. “A indústria de commodities do século XIX não é a do século XXI. As atividades que antes eram básicas agora são sofisticadas”, afirma o diretor de planejamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), João Carlos Ferraz.
As dificuldades enfrentadas na introdução da cultura da soja e do algodão na Região Centro-Oeste e a complexidade envolvida na extração do petróleo nas profundezas do mar são exemplos de obstáculos que exigiram o uso intensivo de tecnologia na produção brasileira. A esse cenário, Ferraz acrescenta o componente da intensa concorrência internacional. “Em se plantando, tudo dá? Não é bem assim.”
O presidente da Vale, Roger Agnelli, lembrou que as descobertas de grandes jazidas minerais são cada vez mais raras, e dependem da utilização das mesmas tecnologias utilizadas nas pesquisas espaciais. “A atividade pode ser antiga, mas o que era fácil encontrar já foi explorado”, afirma.
O executivo compara o debate sobre o peso das commodities na economia ao jogo de cartas rouba-monte. “Uma discussão sobre reduzir o papel dos produtos básicos na economia é estéril. A vocação do Brasil é ser o maior país agrícola, o maior minerador e o maior produtor de petróleo. Somos bons no que conseguimos naturalmente nos tornar bons. Nada veio de graça”, ressalta. “E precisamos nos concentrar nesses setores para nos tornar ainda melhores.”
Por enquanto, o Brasil beneficia-se da boa fase dos bens primários no comércio internacional. Desde o início da década, cresce a participação de alimentos, minério e petróleo nas trocas internacionais, enquanto os preços acompanham a trajetória de alta. A boa notícia é que os países asiáticos, apontados como principais causadores desse movimento, não dão sinais de exaustão.
Entre 1998 e 2008, a Ásia aumentou de 23% para 30% sua participação nas compras mundiais de produtos básicos, e manteve estável sua fatia nas exportações na categoria. “Isso quer dizer que ainda temos pela frente um período interessante de demanda mundial em alta”, prevê Ferraz, do BNDES. Os números também refletem a clara opção daqueles países por importar insumos do Brasil. “Conversamos com banqueiros chineses, e eles deixam clara a disposição para nos fornecer financiamento, infraestrutura, máquinas e, se preciso, até mão de obra.” A respeito, vale a leitura da coluna de Delfim Netto, à página 27.
O interesse da China em estimular a exportação de matérias-primas brasileiras, entretanto, guarda uma diferença fundamental em relação à antiga estratégia “centro-periferia”, associada, em outros tempos, ao subdesenvolvimento. “Não somos um País pequeno, com economia especializada. O peso das commodities tem de estar associado ao tamanho do nosso mercado, há espaço para os outros setores”, sustenta Ferraz.
Também conta a favor do Brasil o fato de a grande demanda por insumos, aliada à oferta de bens industrializados no Oriente, ter promovido uma alteração histórica nas relações de troca, com vantagem para os fornecedores. “Antes era necessário vender 15 toneladas de minério de ferro para comprar um computador. Hoje, são três ou quatro”, compara Agnelli. “Se no futuro precisar de uma só, vou ficar feliz.”
O diretor da divisão de mineração, petróleo e gás do Banco Mundial, Paulo de Sá, cita um informe recente da Intel, segundo o qual a produção mundial de microprocessadores vai duplicar nos próximos cinco anos, enquanto os preços cairão pela metade. O movimento é oposto ao do setor mineral, em que a maior parte do valor agregado se concentra nas etapas iniciais. “A rentabilidade da extração não se reproduz nas etapas da manufatura, quando a concorrência é muito maior”, afirma.
Segundo o executivo, restam duas opções aos países ricos em recursos. A primeira é aplicar altos impostos à produção, como fazem, por exemplo, as nações do Oriente Médio em relação ao petróleo. O outro caminho não requer que se abra mão das taxas, mas consiste no alargamento das cadeias produtivas. Não só no sentido vertical, que requer comprar brigas com os clientes, mas no horizontal, ao estimular parcerias com fornecedores locais e a criação de infraestrutura de energia, tecnologia, transportes e serviços. “A integração horizontal contribui muito mais para o desenvolvimento do que a simples taxação”, defende.
Sá dá como exemplos países africanos que, a despeito de possuírem vastas reservas petrolíferas, registram taxas de crescimento negativas, ou inferiores às de vizinhos sem riquezas naturais – um fenômeno batizado de “maldição dos recursos”. Em outros locais, a falta de fontes de financiamento e de orientação política da produção simplesmente impede que minas de alto potencial sejam exploradas.
“A grande questão hoje é como expandir a produção e, ao mesmo tempo, criar laços para contribuir com a economia local. A falta dessa licença social para operar pode inviabilizar empreendimentos inteiros. No caso dos setores que exploram recursos naturais, essa preocupação é ainda mais importante”, afirma o diretor do Banco Mundial. Segundo Sá, o Brasil tem obtido sucesso na estratégia de associar o mercado interno robusto ao desenvolvimento das cadeias produtivas. A Petrobras, com o alto índice de nacionalização de fornecedores e investimentos, tornou-se um exemplo internacionalmente reconhecido, garante o executivo.
As reservas de petróleo na região do pré-sal, que podem se situar entre 10 bilhões e 50 bilhões de barris, podem tornar a estatal brasileira a maior empresa mundial do setor nos próximos anos, de acordo com o vice-presidente da Energia do Rio e conselheiro do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), Luiz Carlos Costamilan. “A Petrobras era um grão de areia perto das grandes multinacionais, hoje tem um valor de mercado superior a 200 bilhões de dólares, pouco abaixo de gigantes como a Exxon ou a russa Gasprom”, afirma. “A empresa é reconhecida como a número 1 na exploração em águas profundas, que está para o setor petrolífero assim como a atividade espacial para a indústria aeronáutica.”
Segundo Costamilan, o desafio de substituir as reservas de petróleo em declínio obriga as empresas a investir, de maneira quase compulsória, o equivalente a 800 milhões de dólares ao ano em pesquisa e desenvolvimento. “O Prominp (Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural) já capacitou 50 mil profissionais e deve chegar a 200 mil. Isso mostra como a exploração da commoditty envolve um grande desafio financeiro, mas também traz impactos positivos extremamente relevantes”, diz.
Com as encomendas de navios e plataformas para a exploração do petróleo na região do pré-sal, a Petrobras foi responsável pelo renascimento do setor naval brasileiro. A Vale, por sua vez, teve papel fundamental na reativação da indústria ferroviária, com as compras de 259 locomotivas e 12,5 mil vagões desde 2003. A mineradora também terá participações relevantes em mais da metade dos investimentos brasileiros em aumento de capacidade de produção de aço até 2014. O objetivo, na área siderúrgica, não é necessariamente concorrer com outros compradores de minério de ferro, mas criar garantias de demanda interna caso a economia chinesa reduza o ritmo, conforme explica Agnelli.
“Não existem mais enclaves na mineração moderna. Não se constroem mais vilas para os funcionários. Contribuímos para que os municípios invistam na própria infraestrutura, levamos desenvolvimento para onde vamos”, garante o presidente da Vale.
Se o petróleo e a mineração ainda guardam promessas, na agricultura as vantagens comparativas brasileiras sempre foram evidentes. De acordo com as estatísticas de comércio internacional em 2008, da Organização das Nações Unidas, o País é o maior produtor mundial de proteína animal (bovina, suína e de frango), açúcar, café e tabaco. “O agronegócio brasileiro alcançou um sucesso único nos trópicos, uma atividade mais complexa e integrada à economia”, afirma o economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio-diretor da MB Associados. “Em 40 anos, o processamento subiu das zonas mais temperadas do continente para acima dos trópicos, graças ao aproveitamento de vantagens naturais, como água e terra a baixo custo, mas também a um pacote tecnológico, com destaque para a atuação da Embrapa e de outras instituições estatais.”
Mendonça de Barros destaca técnicas como o sistema de plantio direto, que permite o uso quase contínuo dos solos e a obtenção de até três safras por ano ao cobri-los com a palha da colheita anterior. A integração da agricultura com a pecuária e com o reflorestamento também configura soluções tão revolucionárias quanto tipicamente nacionais. A ênfase no agronegócio, garante o economista, pode impulsionar o País em outros setores.
Não são poucas as áreas de pesquisa promissoras para o Brasil a partir da economia do campo. O diretor-geral da Votorantim Industrial, Raul Calfat, prevê para breve o desenvolvimento de uma nova geração de biocombustíveis produzidos a partir dos cavacos de madeira. Se o prognóstico se confirmar, significará uma oportunidade ímpar de agregar valor ao resíduo da produção de celulose da Fibria, líder mundial no setor, controlada pelo Grupo Votorantim. “Plantamos florestas em uma área de 1,2 milhão de hectares, maior do que a Bélgica”, disse o executivo.
“Boa parte da inovação tecnológica não está na indústria, mas nos serviços. A tecnologia da informação, em especial, permite desverticalizar parte da cadeia de serviços que integra o agronegócio”, explica Mendonça de Barros. “Há variedades de cana-de-açúcar que ainda não estão no campo, mas são capazes de aumentar em 40% a produtividade. A biotecnologia, por exemplo, está na fronteira da tecnologia mundial.”
A necessidade de aumento de produtividade, no caso da agricultura, é reforçada por uma realidade histórica: em que pese o aumento da demanda por alimentos, nos últimos 30 anos os preços caíram 5% ao ano, em média, de acordo com dados da Fipe. “Só a tecnologia e a pesquisa vão permitir que continuemos a fazer mais do mesmo, com mais eficiência”, diz o presidente da Associação Brasileira da Indústria Exportadora e Produtora de Carne Suína (Abipecs), Pedro de Camargo Neto. “Esse é o debate que importa.”
A aproximação entre a produção de commodities e os processos industriais, segundo o professor de economia da Unicamp e consultor editorial de CartaCapital Luiz Gonzaga Belluzzo, suprimiu as fronteiras entre as duas atividades. “O setor primário ficou mais secundário, enquanto a Ásia suprimiu a divisão internacional do trabalho. Hoje, o Brasil não pode prescindir da indústria que já criou nem abandonar uma vantagem natural que se tornou dinâmica”, afirma o economista. “Precisamos nos concentrar em resolver entraves, como as deficiências de infraestrutura e a falta de financiamento de longo prazo, o que exige reformas e protagonismo do governo e do setor privado.”
A maior evidência de que os produtos básicos não são entraves, mas sim alavancas para o desenvolvimento, é o desempenho de países como Estados Unidos, Canadá, Austrália e Noruega. De acordo com o consultor Cláudio Frischtak, da Inter.B, trata-se de casos de sucesso de quem soube estruturar um setor industrial em torno de uma base de recursos naturais. “Ao mesmo tempo, esses países foram precursores também nos investimentos em educação, com índices elevados de alfabetização no início do século XX. Essa é a maior prova de que o desenvolvimento não é automático”, conclui.
Fonte: Carta Capital
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