22/01/2010 16:37:43
Quem assistiu às audiências transmitidas ao vivo pode ver a forma revoltante como esses cavalheiros se eximiram de quaisquer responsabilidades pela tragédia que produziram, quase se divertindo ao atribuir a culpa ao Fed, pela frouxidão, e aos governos, por deixá-los agir livremente. Aproveitaram o circo televisivo montado na comissão para demonstrar o absoluto desrespeito aos congressistas ao ser cobrados das patifarias que eles se recusam a reconhecer como tais. Para eles, o que aconteceu é fruto de circunstâncias normais no mercado, onde a regra é a competição: “A vida é assim, nós vivemos num sistema competitivo, vence quem mais compete, ganha mais dinheiro e leva o seu, rapidamente. E assim as coisas devem continuar...”
Mostraram-se naturalmente escandalizados com a proposta de Obama de instituir a partir de 2011 um imposto sobre as operações bancárias para devolver ao contribuinte pelo menos uma parte da montanha de dinheiro que o Erário destinou à salvação do sistema bancário. Com enorme insensibilidade fazem questão de ignorar que se trata de um problema moral e não apenas econômico, argumentando que o imposto “vai ser pago pelos próprios clientes, quer dizer, no final, pelos contribuintes...”
Digam o que disserem, a ideia do imposto é correta, é uma ação punitiva até razoável e, no mínimo, representa uma satisfação à sociedade. Pelo que se viu, no entanto, dada a reação tíbia dos representantes diante da ousadia e desfaçatez dos depoentes, o presidente Obama vai passar muito apertado para conseguir a aprovação do imposto nas duas casas do Congresso. As transmissões pela tevê serviram para mostrar como o sistema financeiro exerce o seu poder sobre os congressistas.
Creio mesmo que a reação dura de Obama, num pronunciamento mais enfático que o normal, é para realçar a repulsa do cidadão e alertar os congressistas, porque as medidas de correção dos desvios nos mercados financeiros precisam ser aprovadas no Congresso e ficou evidente a subserviência dos membros da comissão parlamentar perante os banqueiros. Não devíamos nos espantar muito com essa relação de dependência: até agora não foi aceita nenhuma das restrições necessárias para impedir a repetição da enorme tragédia gestada no sistema financeiro.
Os banqueiros que compareceram às audiências na comissão comportaram-se como aqueles barões das finanças do início do século XXI, para quem a eventual elevação das taxas de desemprego era algo inerente ao progresso capitalista e até mesmo salutar, porque resultava em maiores esforços para aumentar a produtividade. É quase inadmissível que essas atitudes possam se repetir no novo século, num momento em que se contabiliza a perda de alguns milhões de empregos nos países desenvolvidos. No auge da crise, somente nos Estados Unidos, foram 5 milhões os postos de trabalho suprimidos e, no mínimo, outros 10 milhões no restante do Hemisfério Norte. Nos paí-ses mais pobres (os dados foram divulgados pela FAO, organismo das Nações Unidas), no fim do primeiro ano após setembro de 2008, o número de vítimas da fome havia crescido para algo acima de 90 milhões de seres humanos.
Os excessos de arrogância desse grupo de banqueiros talvez acabem ajudando o presidente a vencer a resistência no Congresso e aprovar algumas das medidas que propôs para melhorar a regulação nos mercados financeiros, no curto prazo. Obviamente, Obama não está se referindo ao sistema financeiro como um todo, mas, sim, estigmatizando aqueles que insistem em deixar abertas as oportunidades para um novo desastre.
Delfim Netto
Sextante
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