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terça-feira, 25 de maio de 2010

ARTIGo - Delfim Neto


Barbas de molho
25/05/2010 12:33:37
Enquanto a Comunidade Europeia patina, o Brasil atravessa um momento positivo. Mas um maior controle fiscal, para melhorar a execução do Orçamento e reduzir a relação dívida/PIB, é fundamental se quisermos evitar problemas futuros e manter o ritmo de crescimento

O Brasil reagiu com sucesso, nesses 20 meses de crise financeira, aos problemas da recessão que atingiu as maiores economias do globo e, mais recentemente, desvendou o enorme desequilíbrio das finanças públicas em quatro países da Comunidade Europeia. Os primeiros números da gastança dizem respeito às finanças do Estado grego e são espantosos: 1 trilhão de dólares, quase meio PIB brasileiro, não são suficientes para arrumar a casa, segundo constatou desanimada a chanceler alemã, Angela Merkel, depois de abrir a bolsa... As revelações continuam com a abertura das contas de Irlanda, Portugal e Espanha, curiosamente todos eles com atestado de bom comportamento dos órgãos reguladores da própria Comunidade, do Fundo Monetário Internacional e das famosas agências de avaliação de risco. O que nos sugere esta sucessão de sustos? 

Ora, o Brasil está neste momento numa situação muito especial, a economia vai crescer 6% ou 6,5% este ano, com bastante equilíbrio interno e equilíbrio externo razoável, uma taxa de 6% de inflação e um déficit de 50 bilhões a 60 bilhões de dólares em contas correntes que é manobrável, não é de assustar. O susto que tomou conta de grande parte da Eurolândia, no entanto, sugere que está na hora de todo mundo botar as barbas de molho. Inclusive nós. E como? 

É evidente que precisamos de um maior controle fiscal para melhorar a execução do Orçamento e reduzir a relação dívida/PIB. São duas coisas fundamentais para se poder administrar o País adequadamente e evitar problemas futuros. É algo comprovado que sem uma política fiscal sólida a política monetária tem um efeito muito reduzido e não produz o resultado que se espera. 

Os acontecimentos na Grécia mostram mais uma vez que não se pode negligenciar a política fiscal. O desequilíbrio fiscal é uma doença insidiosa: primeiro começa a violar lentamente os limites dos gastos previstos na execução orçamentária, depois concede aumentos generosos ao funcionalismo na tentativa de melhorar sua qualidade e ter um reconhecimento em votos e deixa afrouxar os controles dos gastos correntes. Quando se acorda, estamos em meio a um processo que gera despesas extraordinárias para os próximos 25 anos. 

Um dos problemas que mais desconforto trazem aos governos é o trato da questão previdenciária. E aí não é só a inapetência do Executivo que funciona da direção errada, é preciso contabilizar a acomodação dos Parlamentos que têm urticária só de ouvir falar no assunto. Na maioria dos países, o que se fez nos anos recentes foi permitir que as pessoas se aposentassem mais cedo, tanto no setor público como nos setores privados. Parece muito bom reduzir o período de trabalho, trocar um pouco do suor por uma vida de lazer mais agradável. Mas, se não for providenciada essa compra do futuro melhor mediante o estabelecimento de um nível de contribuição adequado, pode se esperar o pior dos futuros. 

A tragédia da política fiscal (e nós já vivemos isso em muitas ocasiões) é que as facilidades concedidas hoje serão pagas du-ramente nos 20 anos seguintes. Por sorte, aprendemos recentemente que a estabilidade de uma política fiscal é o que existe de mais importante para manter um ritmo de crescimento econômico e social sem grandes sobressaltos. O que não há é espaço para negligência nesse campo. Isso vai exigir a cobrança do compromisso dos candidatos nas eleições gerais deste ano.

O que está acontecendo nesses países da Comunidade Europeia serve de lembrança do velho aforismo de que “não há almoço grátis”. Pouco adianta condenar o FMI como se fosse o causador do incêndio, quando ele é apenas um bombeiro e está lá para tentar apagar as chamas. Essas, na realidade, foram ateadas pelos governos piromaníacos escolhidos por eleitores que acreditaram que era possível consumir mais do que produziam, gastando sem trabalhar, até que chega o dia em que o credor exige de volta o que emprestou. É nessa hora que cai a ficha: é preciso voltar ao trabalho...


sábado, 23 de janeiro de 2010

ARTIGO - Arrogância e patifaria

22/01/2010 16:37:43

Quem assistiu às audiências transmitidas ao vivo pode ver a forma revoltante como esses cavalheiros se eximiram de quaisquer responsabilidades pela tragédia que produziram, quase se divertindo ao atribuir a culpa ao Fed, pela frouxidão, e aos governos, por deixá-los agir livremente. Aproveitaram o circo televisivo montado na comissão para demonstrar o absoluto desrespeito aos congressistas ao ser cobrados das patifarias que eles se recusam a reconhecer como tais. Para eles, o que aconteceu é fruto de circunstâncias normais no mercado, onde a regra é a competição: “A vida é assim, nós vivemos num sistema competitivo, vence quem mais compete, ganha mais dinheiro e leva o seu, rapidamente. E assim as coisas devem continuar...”

Mostraram-se naturalmente escandalizados com a proposta de Obama de instituir a partir de 2011 um imposto sobre as operações bancárias para devolver ao contribuinte pelo menos uma parte da montanha de dinheiro que o Erário destinou à salvação do sistema bancário. Com enorme insensibilidade fazem questão de ignorar que se trata de um problema moral e não apenas econômico, argumentando que o imposto “vai ser pago pelos próprios clientes, quer dizer, no final, pelos contribuintes...”

Digam o que disserem, a ideia do imposto é correta, é uma ação punitiva até razoável e, no mínimo, representa uma satisfação à sociedade. Pelo que se viu, no entanto, dada a reação tíbia dos representantes diante da ousadia e desfaçatez dos depoentes, o presidente Obama vai passar muito apertado para conseguir a aprovação do imposto nas duas casas do Congresso. As transmissões pela tevê serviram para mostrar como o sistema financeiro exerce o seu poder sobre os congressistas.

Creio mesmo que a reação dura de Obama, num pronunciamento mais enfático que o normal, é para realçar a repulsa do cidadão e alertar os congressistas, porque as medidas de correção dos desvios nos mercados financeiros precisam ser aprovadas no Congresso e ficou evidente a subserviência dos membros da comissão parlamentar perante os banqueiros. Não devíamos nos espantar muito com essa relação de dependência: até agora não foi aceita nenhuma das restrições necessárias para impedir a repetição da enorme tragédia gestada no sistema financeiro.

Os banqueiros que compareceram às audiências na comissão comportaram-se como aqueles barões das finanças do início do século XXI, para quem a eventual elevação das taxas de desemprego era algo inerente ao progresso capitalista e até mesmo salutar, porque resultava em maiores esforços para aumentar a produtividade. É quase inadmissível que essas atitudes possam se repetir no novo século, num momento em que se contabiliza a perda de alguns milhões de empregos nos países desenvolvidos. No auge da crise, somente nos Estados Unidos, foram 5 milhões os postos de trabalho suprimidos e, no mínimo, outros 10 milhões no restante do Hemisfério Norte. Nos paí-ses mais pobres (os dados foram divulgados pela FAO, organismo das Nações Unidas), no fim do primeiro ano após setembro de 2008, o número de vítimas da fome havia crescido para algo acima de 90 milhões de seres humanos.

Os excessos de arrogância desse grupo de banqueiros talvez acabem ajudando o presidente a vencer a resistência no Congresso e aprovar algumas das medidas que propôs para melhorar a regulação nos mercados financeiros, no curto prazo. Obviamente, Obama não está se referindo ao sistema financeiro como um todo, mas, sim, estigmatizando aqueles que insistem em deixar abertas as oportunidades para um novo desastre.


Delfim Netto

Sextante

Fonte: Carta Capital. http://www.cartacapital.com.br/app/coluna.jsp?a=2&a2=5&i=5906

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

ARTIGO - Fórmulas de Crescimento


Delfim Netto

15/01/2010 15:33:18


É uma grande ilusão imaginar que o Brasil estará entre as cinco maiores economias do mundo na década atual se não realizar investimentos pesados num novo padrão de energia independente da utilização do petróleo. Apesar do abandono do planejamento estratégico e de nossa fraca vocação para pensarmos o longo prazo, a verdade é que mantemos algumas características de país altamente inovador. Temos realizado avanços extraordinários no desenvolvimento de processos e na pesquisa em energias alternativas, em razão da antiga (e felizmente superada) dependência das importações de petróleo. Não atendemos, porém, às necessidades de financiamento na medida exigida pela continuidade das pesquisas.

O rápido crescimento da economia chinesa atrai as atenções, ocupando um enorme espaço na mídia global, mas devíamos orientar o nosso interesse em acompanhar prioritariamente as inovações que se estão processando nos Estados Unidos, na Alemanha e nos países nórdicos. A China, por enquanto, continua uma economia que copia, muito mais do que investe em inovação. Para os dirigentes asiáticos, a prioridade é manter o crescimento anual do PIB em 9%, não importa o que os demais pensem a respeito. Os americanos, com todos os problemas de suas finanças, mantêm a dianteira nos investimentos em desenvolvimento tecnológico: no governo Obama, decidiram recuperar a autonomia energética (primeiro item, reduzir drasticamente a dependência das importações de petróleo nos próximos 15 anos), investindo pesadamente no desenvolvimento de novas modalidades de energia. Para P&D nas universidades e fundações (públicas ou privadas) foram destinados 700 bilhões de dólares. A partir dessa ação do Estado indutor, os setores privados costumam destinar um volume de recursos duas ou três vezes maior nas modalidades desenvolvidas. De seu lado, alemães e escandinavos estão ampliando os investimentos em energia alternativa (cuidando principalmente de não aumentar a dependência do fornecimento de gás da Rússia) e já colhem resultados expressivos na utilização da energia eólica.

Em termos imediatos, o que acontece de importante nos EUA e na China é a ênfase total dos investimentos públicos na expansão e modernização da infraestrutura dos transportes e comunicações de modo geral. Não é novidade no caso dos EUA, tradicionalmente um canteiro de obras da iniciativa privada que se expande e se renova conforme a ação do Estado indutor, que tem sido intensa no atual governo como terapia para a crise financeira. No caso chinês, os investimentos se multiplicam conforme as decisões centralizadas do governo autoritário: o volume de recursos anunciados para os setores de transporte (por exemplo, 100 mil quilômetros de ferrovias, novas ou em recuperação!) e energia é algo ciclópico.

O caminho brasileiro não deve ser diferente: temos de acelerar, ainda no que resta deste governo e sem quebra da continuidade no próximo a ser eleito em 2010, os investimentos na infraestrutura dos transportes (rodovias, instalações portuárias marítimas e fluviais, especialmente) para eliminar o mais rápido possível os gargalos que encarecem a circulação interna e as exportações da produção agrícola e industrial, obras reclamadas há mais de 20 anos, com endereços certos, conhecidos, filmados e fotografados.

Não é preciso insistir que o Brasil é um país inovador. O que nos falta é o suporte do crédito (como existe nos EUA), de forma contínua, para sustentar as inovações, é claro que com algumas notáveis exceções: alcançamos o estado da arte na produção de combustíveis para transporte e a Embrapa fez, em 30 anos, uma revolução na produtividade de nossa agricultura (e pecuária), dando um enorme retorno aos parcos recursos de investimentos que recebeu.

Para que o Brasil se transforme efetivamente num protagonista importante, de ponta, nesta revolução que vai mudar profundamente os processos de produção industrial e agropastoril em todo o mundo, os próximos governos terão de dar prioridade absoluta aos investimentos em inovação e ao desenvolvimento tecnológico. Para sustentar esses investimentos, eles terão de estabilizar (ao menos) os gastos de custeio, algo que o atual governo apenas ameaçou fazer, timidamente.

A fórmula do crescimento é inovação mais crédito. Sua aplicação foi fundamental para a construção da mais poderosa economia global no século passado. Não há nenhuma razão para ignorá-la.

Delfim Netto

Sextante


Fonte: Carta Capital