quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Brasil é 'vítima nº 1' de protecionismo argentino, dizem analistas

Nem só de futebol vive a rivalidade entre Brasil e Argentina – pelo menos, do lado dos nossos vizinhos. Atolado em uma crise de confiança que se arrasta desde 2001, o país vizinho escolheu os produtos “made in Brazil” como principais vítimas de suas medidas protecionistas.

(Imagem: Tour Viagens)

O conflito não é recente, mas se intensificou no ano passado: de setembro de 2008 a novembro de 2009, subiu de 53 para 411 o número de produtos brasileiros que precisam de licença para entrar na Argentina, segundo levantamento da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

O normal, já que os dois países fazem parte de uma área de livre comércio – o Mercosul – seria que essas licenças fossem concedidas automaticamente. “Claro que essas medidas têm impacto na opinião pública. Para eles, dizer que estão enfrentando o Brasil redunda em apoio”, diz o professor Alberto Pfeifer, do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint) da Universidade de São Paulo (USP).

O comércio entre os dois países sentiu o baque: de um volume de quase US$ 31 bilhões em 2008, as trocas comerciais (exportações mais importações) recuaram para US$ 24 bilhões no ano passado, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento. A maior parte dessa queda – US$ 4,83 bilhões – veio do valor das exportações do Brasil para a Argentina.

Segundo Mario Marconini, diretor de Negociações Internacionais da Fiesp e professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), 17% do que o Brasil exporta para a Argentina estão sendo prejudicados pelas medidas – de têxteis a eletrodomésticos.

Com o recuo das exportações brasileiras, a China ganhou espaço: de 2007 para 2008, as exportações do país asiático para a Argentina cresceram quase 40%. “Hoje a China é o centro dessa equação [do comércio exterior argentino], diz o especialista da USP.

Negociações

Pelas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), as licenças não-automáticas têm um prazo de 60 dias para serem concedidas. Exportadores brasileiros, no entanto, reclamam que esse prazo tem sido bem maior – calçados, por exemplo, podem chegar à Argentina com uma estação de atraso. Em retaliação, o Brasil impôs o mesmo tipo de barreira a vários produtos argentinos em outubro.

Com a escalada da “crise” comercial, há dois meses os presidentes dos dois países discutiram o assunto em um encontro em Brasília, que terminou com o compromisso de respeitar o prazo de 60 dias. Em dezembro, uma reunião entre representantes dos dois países realizada na Fiesp, a Argentina se comprometeu a diminuir a quantidade de produtos submetidos à concessão de licenças não- automáticas. Um novo encontro sobre o assunto está marcado para fevereiro.

“O Brasil até agora tem sido bastante cauteloso, para evitar entrar em contencioso com a Argentina, o que não seria bom para ninguém. Eles [a Argentina] usam esse tipo de relacionamento. Eles sabem que o Brasil não vai bater de frente”, diz Pfeifer.

Crise de confiança

Enquanto grande parte do mundo se recupera da crise mundial, a Argentina patina, afundada em uma crise que é mais de confiança do que de fundamentos.

Essa desconfiança começou a tomar forma ainda em 2001, quando o país decretou a moratória da dívida, renegociando 80% dela – e carregando ainda hoje os 20% restantes, segundo Alessandra Ribeiro, especialista em economia internacional da Consultoria Tendências.

Os problemas começaram há oito anos e tiveram seu lance mais recente há cerca de dez dias, quando a presidente Cristina Kirchner demitiu por decreto o presidente do Banco Central do país, Martin Redrado, que depois foi restituído ao cargo pela Justiça do país. Na semana passada, uma nova decisão determinou que sua manutenção ou não à frente do BC seja decidida pelo Congresso – e policiais federais agora impedem que Redrado entre no prédio da autoridade monetária.

O atrito entre Cristina e Redrado também teve relação com o pagamento da dívida externa. Redrado recusou a determinação do governo para que US$ 6,57 bilhões das reservas internacionais fossem usados no pagamento da dívida soberana. Contrariada, a presidente resolveu tirá-lo do cargo por conta própria.

Esse tipo de interferência, apontam os analistas, corrói a confiança dos investidores. A questão se alastra por outras esferas, da suposta manipulação dos dados de inflação à intervenção em empresas. Há três anos, o país convive com duas taxas de inflação distintas – a oficial, divulgada pelo Indec, de cerca de 8% anuais; e a “real”, calculada por consultorias independentes, que está na casa dos 17%.

“É o desequilíbrio de uma política econômica que está muito politizada. A Argentina teria condições de sanar a economia, mas não dessa forma. Não pode deixar de ter transparência nos dados, ter uma política que causa inflação e fingir que não existe. Quem vê um negócio desses no BC, percebe que não há previsibilidade nenhuma [na economia]. Esse no fundo é o maior problema”, avalia Mario Marconini.

Até 2008, a economia argentina chegou a registrar expansões significativas, de até 8,5% anuais. Esse crescimento, no entanto, se deu à margem dos investimentos: com a crise da década anterior, a expansão veio do uso da capacidade ociosa.

Investimento em baixa

Com uma dívida externa total que alcançou quase US$ 123 bilhões no segundo trimestre do ano passado, segundo dados do instituto nacional de estatísticas, o país não tem conseguido investir.

“Nem investimento público e muito menos privado. Por causa principalmente desse endividamento [...], não consegue gerar capacidade para sustentar o crescimento da economia”, diz Alessandra Ribeiro, da Tendências. “Que empresa privada vai entrar nesse país para alavancar a capacidade? Numa economia com taxas elevadas de inflação, totalmente instável, você não gera um horizonte de estabilidade."

As perspectivas, segundo os analistas, não são boas. “Do ponto de vista macro, o que a gente pode esperar é um nível de desconfiança aumentando. O que pode esperar é ter a sorte do Brasil continuar crescendo, porque é um expressivo importador de manufaturados”, diz Pfeiffer.


Fonte: Portal G1 de Notícias - Economia e Negócios
http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL1457793-9356,00-BRASIL+E+VITIMA+N+DE+PROTECIONISMO+ARGENTINO+DIZEM+ANALISTAS.html

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