segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O declínio do poder do dólar

Juros baixos e deficit em expansão nos EUA são obstáculos para indústrias estrangeiras

foto-ilustração de Tony Cenicola/The New York Times






Por NELSON D. SCHWARTZ
Paris

Um dos efeitos mais carregados de presságios na atual crise global é que muitos bancos centrais estão repensando o status do dólar como divisa de reserva, segundo especialistas. Isso, somado a fatores como os juros historicamente baixos e a disparada do deficit público federal dos EUA, agrava o declínio da moeda americana.
Em longo prazo, um dólar fraco pode reduzir o antigo deficit comercial dos EUA, ajudando a diminuir a disparidade entre exportações e importações, uma vez que os produtos norte-americanos se tornam mais acessíveis no exterior.

Mas, para quem tenta exportar para os EUA -sejam ternos italianos, vinhos franceses, eletrônicos japoneses ou carne argentina-, isso dificulta os negócios, já que seus produtos se tornam mais caros para os norte-americanos. A queda do dólar é um fator central na recente elevação do petróleo para acima dos US$ 75 por barril, o que significa gasolina mais cara.

Mas há outro lado positivo, ao menos para os norte-americanos: um dólar fraco pode se revelar benéfico para a economia dos EUA ao ajudar indústrias que há muito tempo sofrem, reconstruindo uma base industrial forte e estimulando as exportações, mesmo que isso dificulte a vida de parceiros comerciais de todo o mundo, especialmente da Europa.

"Desde que ele não quebre, um declínio gradual e ordeiro é saudável", disse C. Fred Bergsten, diretor do Instituto Peterson para a Economia Internacional. "O dólar subiu 40% entre 1995 e 2002, então esse é um reequilíbrio necessário."

Mesmo assim, esta tem sido a queda mais rápida do dólar em seis anos; nas últimas semanas, o euro chegou a quase US$ 1,50, contra o US$ 1,25 que valia em março. A libra também avançou, de US$ 1,41 em abril para US$ 1,64 há poucos dias.

A discussão política nos Estados Unidos sobre a trajetória do dólar é acompanhada por um acirrado debate entre economistas.

"A fraqueza do dólar é um grande problema para os empregos e o nível de vida dos norte-americanos", disse David Malpass, economista de Wall Street e grande crítico do declínio da moeda. "Conforme o dólar se desvaloriza, temos menos capital e poder de compra em comparação ao resto do mundo, e há um crescente risco de taxas de juros e inflação mais altas."

Já Bergsten argumenta que o dólar está apenas voltando a ter uma cotação justa diante de outras moedas, se a intenção dos EUA for continuar reduzindo seu deficit comercial.

Com a recente desvalorização, afirmou, o dólar está adequadamente cotado frente ao euro, mas ainda precisa perder 10% diante de moedas asiáticas como o iene para que as empresas norte-americanas concorram em pé de igualdade.

E, apesar de todas as flutuações em relação às principais moedas, o dólar não se mexeu recentemente frente ao yuan chinês, que é administrado por Pequim de modo a permitir que os exportadores chineses aproveitem uma moeda fraca e conquistem mercados globais.

O secretário de Tesouro dos EUA, Timothy Geithner, tem reiterado que o governo é a favor de um dólar forte, mas que os mercados cambiais estão focados na improvável perspectiva de medidas concretas, como uma alta dos juros.

"O governo de Barack Obama pode dizer que quer um dólar forte", disse Neil Mellor, estrategista cambial da BNY Mellon Global Markets, no Reino Unido. "Mas todo o mundo sabe que ele não tem os meios para sustentar isso. O Federal Reserve [Banco Central dos EUA] não pode elevar as taxas [de juros], e a Casa Branca tão logo não pode cortar o deficit orçamentário."

Se o dólar continuar caindo e o euro continuar subindo, isso pode aumentar as tensões comerciais com a Europa, especialmente com grandes exportadores, como a Alemanha, que já foram duramente afetados pela crise global.

"A força do euro está vindo absolutamente na hora errada", disse Jens Nagel, diretor do departamento internacional da Associação dos Exportadores Alemães. "Os EUA são o nosso maior parceiro comercial depois da União Europeia, e isso é um grande golpe para a recuperação das empresas automobilísticas e dos exportadores industriais."
Mellor prevê que o euro chegará a US$ 1,60 até o começo de 2010.

Com a recuperação da economia global e a retomada da produção industrial, as empresas estão priorizando suas fábricas mais competitivas, como as dos EUA, disse Pierre Dufour, vice-presidente-executivo da francesa Air Liquide, fornecedora de gases industriais para siderúrgicas, fábricas de semicondutores e outros gigantes industriais mundiais.

"Isso tem dois lados, como sempre", disse Carl Martin Welcker, dono de uma fábrica alemã de máquinas operatrizes, a Schütte, cujos equipamentos produzem 80% das velas de ignição do mundo. "Por um lado, torna nossas máquinas significativamente mais caras; por outro, estamos vendo companhias internacionais levando sua produção de volta para os EUA, o que ajuda nossas vendas por lá."


Ajuda do governo dos EUA alimentou alta recente em Wall Street

Por GRAHAM BOWLEY

Ao mesmo tempo em que a economia dos EUA continua a enfrentar dificuldades, boa parte de Wall Street está ganhando muito dinheiro -e mais uma vez antevendo bônus polpudos.

Muitos se perguntam como isso pode ser. Como é possível que alguns bancos já estejam prosperando tão pouco tempo após um colapso financeiro, enquanto multidões de americanos temem perder seus empregos e suas casas?

As pessoas talvez se surpreendam ao descobrir que uma das forças mais poderosas que está alimentando a retomada em Wall Street não é formada pelos bancos, mas por Washington. Muitas das medidas tomadas pelos políticos no ano passado para estabilizar o sistema financeiro -a redução dos juros a quase zero, o reforço dos grandes bancos com injeções de dinheiro dos contribuintes, a avalização de bilhões de dólares das dívidas das instituições financeiras- ajudaram a preparar o cenário para esta nova era de riqueza em Wall Street.

Gigantes como Goldman Sachs e JPMorgan Chase estão fazendo fortunas em setores em alta como o comércio de ações e títulos, em lugar de enriquecer concedendo crédito às pessoas. Cada um deles anunciou lucros superiores a US$ 3 bilhões no terceiro trimestre. Além disso, estão lucrando ao assumir mais riscos que concorrentes mais fracos -benefício resultante da concorrência reduzida. Assim, ao mesmo tempo em que os grandes bancos rejeitam propostas de regulamentação maior, Wall Street tem Washington a agradecer, em parte, por sua bonança mais recente.

"Tudo isso é facilitado pelo Fed (Banco Central dos EUA) e pelo governo, que querem que as instituições financeiras voltem a conceder empréstimos", disse Gary Richardson, pesquisador do Birô de Pesquisas Econômicas dos EUA. "Acabamos de mostrar a elas que desembolsaremos trilhões de dólares para protegê-las. Isso me preocupa muito."

Nem todos os bancos estão se saindo tão bem assim. O Citigroup e o Bank of America, cuja sorte está ligada aos altos e baixos dos consumidores comuns, estão lutando para dar uma virada.

Mas o declínio de algumas instituições, ao lado da queda de concorrentes antes fortes como o Lehman Brothers, concentrou o poderio financeiro dos EUA em menos mãos. Agora, os fortes têm poder maior para arrancar mais lucro dos mercados financeiros e para cobrar taxas mais altas.

"Eles podem cobrar mais por seus serviços, porque as empresas precisam de bancos comerciais e bancos de investimento, e há poucos para ajudá-las", disse Douglas Elliott, do Brookings Institution, organização de Washington que analisa políticas públicas.

Agora, o setor conta com novas ferramentas, graças ao governo. Com os juros tão baixos, os bancos podem emprestar dinheiro barato e aplicá-lo de maneiras lucrativas, quer seja para conceder empréstimos a empresas a juros mais altos, quer seja para especular nos mercados. As negociações de renda fixa -uma área que inclui títulos e divisas- vêm sendo especialmente lucrativas.

"Os resultados fortes das negociações lideraram", disse Howard Chen, analista de bancos no Credit Suisse, descrevendo os lucros mais recentes.

Para prevenir um colapso financeiro catastrófico que teria afetado toda a economia, o governo injetou bilhões de dólares nos bancos. Desde então, algumas instituições grandes, como o Goldman e o Morgan, já restituíram ao governo o dinheiro que receberam no pacote de socorro. Mas a maior parte do setor dos bancos ainda goza de outras formas de apoio do governo, e isso vem ajudando a elevar seus lucros.
O Goldman Sachs e seu rival Morgan Stanley foram autorizados a converter-se em holdings bancários à moda antiga. Essa mudança lhes deu acesso a financiamentos baratos do Fed, até então fora de seu alcance.

Esses dois bancos e outros, como o JPMorgan, também foram autorizados a emitir dezenas de bilhões de dólares em obrigações garantidas pela Corporação Federal de Seguro de Depósitos (FDIC), que segura depósitos bancários. Com a garantia, os bancos puderam contrair os empréstimos em condições vantajosas. É verdade que os bancos também estão se beneficiando da estabilização da economia. "A confiança voltou", disse Shubh Saumya, especialista em serviços financeiros no Boston Consulting Group. "Os banqueiros estão reavendo alguns dos ativos que eles desvalorizaram no ano passado, no meio da crise."

Uma razão importante dos lucros notáveis obtidos pelo Goldman Sachs neste ano é a disposição de seus negociantes em assumir riscos grandes -eles disponibilizaram mais dinheiro, enquanto outros bancos atingidos em 2008 frearam esse tipo de ação.

Executivos dizem que há abismos estratégicos abrindo-se entre bancos de Wall Street, que estão assumindo mais riscos, e outros que estão optando por trilhar um caminho mais seguro.

Mesmo assim, o sucesso recente se limita em grande medida às grandes firmas de Wall Street que trabalham com títulos de crédito. Recentemente, o Citigroup e o Bank of America anunciaram perdas com inadimplências de cartões de crédito e hipotecas -sinal das dificuldades que ainda acometem a população e o setor produtivo dos EUA.


Fonte: Jornal Folha de São Paulo - New York Times. São Paulo, segunda-feira, 26 de outubro de 2009
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/newyorktimes/ny2610200901.htm

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