quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Artigo de Suely Chacon sobre o início da crise financeira global em 2008

PARA COMPREENDER MELHOR A CRISE FINANCEIRA GLOBAL(*)

Suely Salgueiro Chacon[1]

Quando penso nessa crise financeira que vivemos na atualidade, é impossível não me lembrar de tantas outras crises semelhantes que já passamos, especialmente da crise de 1929, iniciada com a quebra da Bolsa de Nova Iorque, nos E.U.A. Naquele momento realmente tivemos uma crise de grandes proporções que atingiu todo o mundo, inclusive o Brasil. A partir das conseqüências dessa crise, vários mecanismos que pretendiam servir de controle da economia e do sistema financeiro mundial foram criados. E somente depois da 2ª. Grande Guerra Mundial a economia voltou a crescer de fato, tanto pela grande produção de armamentos, como também pelos recursos empregados para a reconstrução da Europa e do Japão.
Após a 2ª. Grande Guerra também surgiram organismos como o FMI e Banco Mundial, e houve a tentativa de regular a economia mundial, para evitar novas crises. Os países que compunham a ONU se reuniram e firmaram acordos que previam, por exemplo, que toda a moeda emitida deveria ter seu lastro em ouro, o chamado padrão-ouro. O Estado passou a atuar fortemente como um ente regulador, por meio das chamadas políticas macroeconômicas: monetárias, fiscais, de renda e cambial. A intenção era monitorar a economia, e se antecipar aos sinais de crise, evitando-a. O que não foi possível, pois a partir da chamada crise do petróleo, sentida pela primeira vez em 1973, ficou provado que a economia de todos os países estava cada vez mais conectada e complexa. Isso tornava a todos vulneráveis a qualquer movimento negativo de qualquer país, especialmente grandes potências como os E.U.A. A quebra do Padrão-ouro pelos E.U.A. foi um fato que também contribuiu para que o controle do sistema financeiro ficasse mais frágil em todo o mundo.
As políticas macroeconômicas são importantes e essenciais, contudo não são suficientes, pois normalmente as crises se instalam devido a movimentos não previstos, a excessos cometidos, e a reações muito mais passionais do que racionais. E isso é mais grave quando pensamos em um mercado financeiro que hoje é global e totalmente interligado. O dinheiro é “criado” e “destruído” da noite para ao dia, com movimentos virtuais, pois esses valores fenomenais do mercado de capitais não existem de fato, e são resultado de operações financeiras baseadas em expectativas de valorização de ações e de mercados.
Depois das crises do petróleo na década de 70 do Século passado, várias outras crises de caráter mundial aconteceram, das quais poucos se recordam. Invariavelmente estavam ligadas ao mercado financeiro e afetaram em maior ou menor grau todos os países. O Brasil sofreu bastante com todas elas. De um modo geral todas essas crises estão ligadas a excessos, ou seja, a atitudes irresponsáveis daqueles que atuam nesses mercados, e buscam o lucro no curto prazo. Não são investidores, mas especuladores.
Na atual crise, o início se encontra na verdade em um cenário de pré-crise nos E.U.A. antes dos atentados de 11 de setembro de 2001. Naquele momento a economia dos E.U.A. estava fragilizada, contudo foi salva pelo grande volume de dinheiro injetado pelas medidas antiterroristas, Mais uma vez a guerra (no Iraque) e a indústria armamentista salvaram o país de uma crise. Agora, sem outros acontecimentos que mudem o cenário, a crise já tão anunciada estourou. O estopim foi o excesso cometido no mercado de crédito imobiliário. O sistema tradicional de hipotecas nos E.U.A. foi utilizado, pelos bancos, para super valorizar as moradias, emprestando valores altos aos donos das casas hipotecadas. Com o desemprego aumentando, muitos deixaram de pagar suas hipotecas, e os bancos, por sua vez se viram com um “ativo podre” nas mãos. Ou seja, tomar as casas não era suficiente para reaver o dinheiro emprestado, pois elas não valiam o suficiente. E daí começou a vir à tona todo tipo de excesso que estava sendo cometido naquela economia nos últimos anos, especialmente pelo setor bancário. A quebradeira dos Bancos de Investimentos é só uma parte das conseqüências, que se alastram por toda a economia.
Em termos mundiais, os especuladores se assustam e tentam, todos ao mesmo tempo, se desfazer de papéis nas Bolsas, correndo de um lado para outro, tentando realizar lucros e diminuir prejuízos. Isso gera o chamado “movimento de manada”: todos vão desordenadamente de um lado para outro ao mesmo tempo. Isso gera a queda das bolsas e o aumento da procura por outros meios de resguardar o dinheiro, como a compra de ouro ou dólares. Por isso o preço do dólar subiu em todo mundo. Paradoxalmente, apesar de a crise ter origem nos E.U.A., o dólar ainda é a moeda referência em todo o mundo e, em momento de crise, ainda é a moeda mais procurada.
Tudo isso repercute em todo o mundo, e não é diferente para o Brasil. Entretanto, estamos conseguindo navegar de forma muito mais tranqüila nessa crise do que em outras ocasiões como essa, em um passado não muito distante.
A conquista da estabilidade econômica em nosso país foi resultado de um processo responsável e conseqüente, que resulta hoje em uma economia nacional mais sólida e preparada, com fundamentos fortes. Assim, mesmo que sintamos os efeitos, especialmente no mercado financeiro, não sofreremos tanto quanto outras economias que hoje estão mais frágeis, ou fortemente ligadas às economias mais afetadas.
Apesar dos E.U.A. ser um forte parceiro comercial do Brasil, e isto significar que poderemos ter nossas exportações afetadas, o fato é que temos hoje um mercado interno aquecido, o que permite que a produção possa continuar encontrado demanda dentro do nosso próprio país. Precisamos, no entanto, estar atentos e preparados para agir no sentido de prevenir efeitos mais profundos. Esse é o papel do Governos, usando as políticas macroeconômicas. É o que o Banco Central tem feito, em acordo com os Ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento, agindo no mercado de câmbio e nos mercados monetário e de crédito.
Para o Ceará, que cresceu nos últimos anos a taxas superiores às taxas de crescimento do Brasil e do Nordeste, essa crise pode trazer efeitos positivos. A alta do dólar é um movimento bom para exportadores e para o turismo local. Enquanto o dólar estava baixo havia um incentivo implícito ao consumo de importados e à preferência por viagens ao exterior. Agora, o turista opta por destinos nacionais, e Fortaleza se destaca nesse sentido. Já as nossas exportações, especialmente de frutas, tendem a se dinamizar.
O investimento privado no Ceará tem sido cada vez maior, com o aporte de grandes somas na construção de complexos turísticos e de residências luxuosas, tipo de consumo pouco afetado por crises como essa. A construção civil está aquecida, e este setor é tradicionalmente um grande empregador de mão-de-obra. Isto significa emprego, renda e consumo interno.
Outro ponto importante é que o Ceará está conseguindo, finalmente, interiorizar o desenvolvimento. E isto se dá em grande parte, graças às expansões universitárias, com a criação de Campi em Sobral e no Cariri, e também à nova Universidade Federal de Redenção. Nessas regiões há um movimento de efervescência. Tudo está acontecendo e a população se beneficia com a vinda de novos alunos, professores e com o aporte logístico inerente. Além das instituições de ensino superior tecnológico, e da rede estadual e particular, que se estende hoje por todo o interior do estado, levando oportunidades à população que antes não eram possíveis. Estamos criando novos pólos de geração de conhecimento. Isto significa um movimento positivo, que não pode ser afetado por esta crise financeira. O que vemos hoje no Ceará possibilita o fortalecimento gradual e contínuo de um processo real de desenvolvimento. E quando isso acontece, crises financeiras como essa chegam de forma menos destrutiva.


(*) Artigo publicado no site da Jangadeiro on line em 21/10/2008.
[1] Economista. Mestre em Economia Rural. Doutora em Desenvolvimento Sustentável e Gestão Ambiental (CDS/UnB). Professora da Universidade Federal do Ceará – UFC - Campus Cariri.

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