Atualmente está difícil pegar um jornal ou assistir a um programa de notícias sem encontrar sérios alertas a respeito do déficit orçamentário federal. O déficit ameaça a recuperação econômica, nos é dito; ele coloca a estabilidade econômica americana em risco; ele mina nossa influência no mundo. Essas alegações geralmente não são feitas como sendo opiniões, como pontos de vista de alguns analistas, mas que são contestados por outros. Em vez disso, elas são apresentadas como sendo fatos, de forma pura e simples.
Mas não são fatos. Muitos economistas têm uma visão bem mais tranquila a respeito dos déficits orçamentários do que você verá na TV. Nem os investidores parecem indevidamente preocupados: os títulos do governo americano continuam encontrando compradores interessados, mesmo com taxas de juros historicamente baixas. O panorama do orçamento há longo prazo é problemático, mas os déficits a curto prazo não são –e mesmo o panorama a longo prazo é muito menos assustador do que o público é levado a acreditar.
Então por que a repentina ubiquidade das histórias de terror em relação ao déficit? Ela não é causada por nenhuma notícia de fato. Já era óbvio há pelo menos um ano que o governo americano enfrentaria um período prolongado de grandes déficits e as projeções desses déficits não mudaram muito desde meados do ano passado. Mas os alertas fiscais calamitosos têm se tornado cada vez mais altos e constantes.
Para mim –e não sou o único que pensa assim– o repentino surto de histeria em relação ao déficit me faz lembrar o modo de pensar coletivo que tomou conta do país durante os preparativos para a guerra no Iraque. Agora, como daquela vez, alegações dúbias, não apoiadas por evidências concretas, eram noticiadas como se não houvesse dúvida. Agora, como naquele momento, grande parte do establishment político e da mídia comprou a noção de que uma ação drástica era urgentemente necessária, mesmo sem a existência de qualquer nova informação para justificar a urgência repentina. Agora, como daquela vez, aqueles que contestam a narrativa predominante, independente de quão forte seja seu argumento e independente de quão sólido seja seu histórico, estão sendo marginalizados.
E a incitação ao medo em relação ao déficit pode acabar causando tanto mal quanto a incitação ao medo em relação às armas de destruição em massa.
Vamos falar por um momento sobre a realidade orçamentária. Diferente do que você costuma ouvir, o grande déficit que o governo está incorrendo agora não é resultado de um crescimento descontrolado dos gastos. Em vez disso, bem mais que a metade do déficit foi causada pela crise econômica em andamento, que levou a uma queda acentuada na receita de impostos, exigiu resgates de instituições financeiras por parte do governo federal e –apropriadamente– medidas temporárias para estimular o crescimento e a geração de empregos.
O fato é que incorrer em grandes déficits diante da pior recessão econômica desde os anos 30 é a coisa certa a fazer. Na verdade, os déficits deveriam ser ainda maiores, porque o governo deveria estar fazemos ainda mais do que está para criar empregos.
É verdade que há um problema orçamentário a longo prazo. Mesmo uma recuperação econômica plena não equilibraria o orçamento e provavelmente nem reduziria o déficit para um nível permanentemente sustentável. Logo, assim que a crise econômica passar, o governo americano terá que aumentar sua receita e controlar seus custos. E a longo prazo não há como fazer a matemática orçamentária funcionar a menos que algo seja feito em relação aos custos da saúde.
Mas não há motivo para pânico a respeito das perspectivas do orçamento nos próximos anos ou mesmo na próxima década. Considere, por exemplo, o que o mais recente orçamento proposto pelo governo Obama diz a respeito do pagamento de juros da dívida federal; segundo as projeções, daqui uma década eles crescerão para 3,5% do PIB. Quão assustador é isso? É praticamente o mesmo gasto com juros do governo do primeiro presidente George Bush.
Por que então toda a histeria? A resposta é política.
A principal diferença entre meados do ano passado, quando encarávamos (apropriadamente) com calma os déficits, e o atual senso de pânico é que a incitação do medo do déficit se tornou uma parte chave da estratégia política republicana, realizando uma função dupla: ela arranha a imagem do presidente Barack Obama ao mesmo tempo em que mina sua agenda de políticas. E se a hipocrisia é de tirar o fôlego –políticos que votaram por reduções de impostos que arrebentaram o orçamento se passando por apóstolos da retidão fiscal, políticos satanizando as tentativas de conter os custos do Medicare (o seguro saúde público para idosos e inválidos) em um dia (painéis da morte!), depois condenam os gastos excessivos do governo no outro –mas, o que há de novo?
O problema, entretanto, é que aparentemente é difícil para muitas pessoas distinguir a diferença entre postura cínica e argumento econômico sério. E isso provoca consequências trágicas.
Pois graças à histeria do déficit, as prioridades de Washington estão todas erradas: só se fala em como cortar alguns poucos bilhões de dólares dos gastos do governo, enquanto não há disposição para tratar do desemprego em massa. As políticas estão seguindo na direção errada –e milhões de americanos pagarão o preço.
Paul Krugman
Professor de Princeton e colunista do New York Times desde 1999, Krugman venceu o prêmio Nobel de economia em 2008.
Fonte: UOL Noticias - Colunistas
Nenhum comentário:
Postar um comentário