Não é o câmbio
Posted By Delfim Netto On 8 de fevereiro de 2011 @ 17:33 In Economia - Carta Capital
Não é admissível retardar mais a correção dos erros antigos da política monetária. De tão evidentes eles já não produzem sequer uma discussão séria entre os economistas. A continuidade dos erros passados da política monetária gera os efeitos que estão corroendo a estrutura industrial construída pelos brasileiros ao longo de tantos anos de crescimento econômico. O grande vilão é o real sobrevalorizado, mas o problema não é o câmbio.
O Brasil é uma das poucas nações emergentes que tinham uma indústria com sofisticação superior àquela correspondente ao seu nível de renda. Num certo sentido, era parte do mundo industrializado, distanciando-se dos demais países com mesmo nível de renda e condições semelhantes.
A industrialização permitiu criar esse mercado interno que ajudou a desenvolver o Brasil. A indústria produziu os milhões de empregos que acolheram a mão de obra que foi sendo retirada do setor agrícola com o aumento da produtividade que empolgou o setor, a partir da revolução liderada pela Embrapa. Seu empenho nas pesquisas atraiu as empresas do setor industrial, ampliando os investimentos na inovação tecnológica nos processos de produção e os incentivos para a renovação dos equipamentos. Foi um instrumento decisivo na aceleração do crescimento econômico brasileiro. Parecia que nenhum fator importante comprometeria a higidez do setor industrial, apesar de que algumas vozes já vinham alertando para os prejuízos causados pelo avanço das importações. Economistas perdem muito tempo discutindo se há desindustrialização, se ela é produto da “doença holandesa”, se o câmbio está sobrevalorizado ou não e qual o alcance da sobrevalorização do real.
Não é preciso ser economista para entender uma coisa simples: cinco anos atrás, quando não se falava de desindustrialização, as condições importantes para o trabalho das indústrias eram as mesmas que são hoje. Qual é a única grande diferença entre o que tínhamos naqueles anos e o que temos hoje? É um câmbio extremamente valorizado por uma política monetária que mantém a taxa de juros brasileira no maior nível do mundo. O Brasil continua sendo aquele pernil com farofa à disposição do sistema financeiro internacional, mesmo fora da época das festas.
Todas aquelas discussões não levaram a nada: só agora os mais sabichões começam a entender que a questão-chave que o Brasil tem de resolver não é um problema de câmbio; o que resolve é construir uma política monetária que, num prazo suportável, leve a taxa de juros interna ao nível da taxa de juros externa. Não resolve tentar combater apenas os movimentos de capitais, porque eles encontram sempre mecanismos de ilidir qualquer tipo de controle.
Nossa taxa de câmbio é extremamente valorizada, o que é um grave problema para o equilíbrio do comércio exterior brasileiro. As importações de produtos industriais tornam-se cada vez mais atraentes, impondo uma competição desigual em nosso mercado com os produtos fabricados no Brasil. A produção nacional perde totalmente os estímulos para investir nos setores de exportação, pois nossos preços deixam de ser competitivos nos mercados externos, graças ao real sobrevalorizado.
A única especulação que pode funcionar a nosso favor é aquela que se elimina. A única arbitragem que leva ao equilíbrio é aquela que termina. No Brasil, desafortunadamente, a arbitragem não termina nunca, porque o capital entra e o BC continua sustentando altíssima taxa de juro real. E a sustenta até com alguns argumentos razoáveis para controlar a inflação.
O que é preciso, portanto, é uma coisa muito mais profunda: enfrentar os erros passados da política monetária. Erros que transformaram o Brasil num país que (dizem os mercadistas entusiasmados, sem esconder a ironia) exige a maior taxa de juros do mundo para ter, mesmo assim, uma taxa de inflação de 4,5%! Estamos diante de um fenômeno muito sério, muito grave.
É preciso que mais pessoas- conheçam os fatos e se conscientizem que é importante cobrar do governo. Ele está agindo, mas, se esse processo teratológico continuar por mais tempo, não vamos “desindustrializar”, como diz esta suave palavra da moda, e sim permitir que se destrua a estrutura industrial sofisticada que nós viemos construindo desde praticamente a metade do século XX.
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