A Grécia é minúscula, sua economia responde por apenas 3% da UE. Mas exatamente quando parecia que o mundo estava se arrasando para fora do turbilhão financeiro e da recessão no começo de 2010, a Grécia lembrou os mercados de que os países, assim como os bancos, também pode ruir. “Um Lehman Brothers cercado de águas azul-turquesa”, foi uma das descrições usadas.
“Contágio”, a metáfora lacônica dos mercados, dificilmente traduz a velocidade com que os temores de insolvência se espalharam por toda a Europa, para Portugal, Espanha, Itália, depois Irlanda e até Inglaterra. Durante um final de semana agitado de maio, a corrida para elaborar o gigantesco acordo de resgate de 750 bilhões de euros exigiu a atenção urgente de todos os líderes da UE, do presidente Barack Obama e do Fundo Monetário Internacional.
O plano de resgate salvou o euro por enquanto, e a moeda mostrou alguns sinais de recuperação desde que atingiu sua maior baixa em quatro anos em relação ao dólar na semana passada. Mas isso destruiu as regras pelas quais o Banco Central Europeu comanda o bloco de 16 países que usam o euro. E a crise tampouco terminou. Ainda não está claro se a Grécia e seus vizinhos do Mediterrâneo conseguirão fazer as mudanças que a Europa está finalmente exigindo deles. A comparação com a Irlanda, que enfrentou problemas parecidos, oferece alguma esperança, mas também sugere que os problemas da Grécia sejam arraigados demais para serem resolvidos.
O drama começou em outubro, quando George Papandreou, primeiro-ministro socialista do país, disse à nação que as finanças da Grécia estavam bem piores do que os governos conservadores anteriores haviam declarado. Um homem alto e curvado, com um bigode preto bem aparado e um jeito reservado, vindo de uma dinastia familiar que dominou a política grega por muito tempo, Papandreou disse que a Grécia estava com um déficit anual de 12,7% de seu PIB.
Isso era duas vezes mais do que o governo anterior havia dito à comissão europeia, e quatro vezes mais do que o limite oficial para a eurozona. O país também acumulou dívidas de 300 bilhões de euros, equivalente a mais de 100% do PIB. Enquanto os títulos gregos começavam a afundar, a comissão enviou equipes de auditores para Atenas, para descobrir que o número verdadeiro era ainda pior – perto de 14%.
As raízes do problema datam das forças que moldaram a Grécia moderna. A dificuldade grega de desenvolver o aparato de um Estado moderno aumentou durante a guerra civil de 1946-1949 entre os comunistas e as forças conservadoras apoiadas pelos EUA. A guerra destruiu as poucas partes do governo que ainda funcionavam depois da ocupação alemã na 2ª Guerra Mundial, e provocou uma polarização amarga na vida política. O surgimento de um establishment fortemente anticomunista pavimentou o caminho para o governo militar de 1967 a 1974.
As decisões que levaram aos níveis atuais de dívida foram tomadas no começo dos anos 80, quando o pai de George Papandreou, Andreas, que liderou a política grega durante 15 anos, começou a estabelecer as fundações de um Estado social-democrata tão amplo que marcaria o fim desse episódio traumático.
Mas o setor público que ele construiu se tornou muito caro. Mesmo agora, ele continua extravagantemente generoso para os padrões europeus. O horário de trabalho costuma ser das 7h30 às 14h30, os empregados recebem um bônus de um salário extra duas vezes por ano e alguns podem se aposentar com 53 anos. Os jornais gregos têm observado ironicamente o “problema de Édipo” do primeiro-ministro do país: ele precisa “matar” as políticas de seu pai para salvar o país.
Nem o setor privado oferece um antídoto saudável. As empresas familiares respondem por três quartos do setor, e mutias não são nem competitivas nem inovadoras. A burocracia é “estranguladora”, argumenta Loukas Tsoukalis, professor da Universidade de Atenas e conselheiro de Jose Manuel Barroso, presidente da comissão europeia. “Temos um sistema capitalista com um Estado soviético.”
A Grécia tinha problemas bem piores quando requisitou juntar-se ao euro. Embora a economia, erguida com subsídios da UE, estivesse crescendo 3% ao ano, o país não conseguiu cumprir com as condições estabelecidas pela Alemanha para a dívida e a inflação quando o euro foi lançado em 1º de janeiro de 1999. O país conseguiu dois anos depois, apresentando números que diziam que seu déficit orçamentário estava dentro das regras, e que sua dívida, que não estava, não era pior do que a da Itália.
Quando a Grécia revelou a verdadeira situação de suas finanças em outubro passado, isso causou alarme, e depois pânico, nos mercados. Surgiram temores de que a Grécia não seria capaz de pagar dezenas de bilhões de euros em abril e maio, e ninguém queria emprestar 45 bilhões de euros a mais para cobrir os gastos do país até o final do ano. Os banqueiros começaram a falar em inadimplência e em recalcular. Até mesmo o maior tabu – mencionar que a Grécia pode deixar o euro – foi quebrado, uma vez que alguns políticos alemães declararam abertamente que este era o único remédio.
O medo era de que o problema se espalhasse para Portugal, Itália, Irlanda e Espanha. Em negociações frenéticas durante as 40 horas seguintes, que terminaram às 2h da manhã do dia 10 de maio em Bruxelas, a UE, o ECB e o FMI formularam juntos o regate de 750 bilhões de euros. Eles obrigaram Papandreou a concordar em reduzir o déficit para menos de 3% dentro de três anos, começando com cortes de salários e pensões – e com a restrição de impostos. Protestos na Grécia contra os vários pacotes de austeridade se estenderam durante semanas, enchendo as ruas de Atenas de pneus queimados e gás lacrimogênio; três pessoas foram mortas por um coquetel Molotov num banco.
Os protestos agora estão menos frequentes. Apesar da violência nas ruas houve uma pequena maioria nas urnas a favor dos vários planos de austeridade desde o começo da crise. Papandreou não tem uma oposição real, e muitos líderes sindicais apoiam seu partido. Mas outros são céticos. “Será que a Grécia conseguirá de fato lidar com seus problemas? Tenho minhas dúvidas”, disse Josef Ackermann, diretor-executivo do Deutsche Bank, um dos que planejaram o pacote de ajuda. Outros alertam que os cortes afundarão a Grécia na recessão, tornando mais difícil que o país pague suas dívidas. A melhor esperança, diz Tsoulakis, é que “numa crise você pode fazer coisas que acharia impensáveis nos tempos normais”. A comparação com a Irlanda dá esperança – mas apenas até certo ponto. No ano passado, a Irlanda começou a atacar problemas financeiros que pareciam no mínimo tão ruins quanto os da Grédia. Mas a Irlanda começou com uma situação financeira melhor, com um débito total de apenas 60% do PIB, cerca de metade do da Grécia. Também é mais fácil fazer mudanças radicais num pais com apenas 5 milhões de habitantes, em comparação com os 11 milhões da Grécia. A cultura política também é um fator importante – a Irlanda não tem a polarização entre esquerda e direita que a Grécia tem.
Mas a Irlanda ainda não está a salvo, e a Grécia menos ainda – e o resgate deixou efeitos colaterais no coração da Europa. Na verdade, a crise evidenciou a pouca convergência que há na eurozona. Longe de tornar as economias menores mais competitivas, o euro serviu como uma espécie de abrigo sob o qual a Grécia, e outros países, usaram o benefício das taxas de juros baixas para alimentar bolhas financeiras sem reformar suas economias. A França, e muitas pessoas no ECB, agora acreditam que se o euro quiser sobreviver será necessária uma governança econômica bem mais coordenada para evitar os desequilíbrios. A Alemanha quer regras bem mais rígidas para limitar os déficits orçamentários. Mas será que os países irão tolerar a invasão de sua soberania que isso exigiria? Parece pouco provável.
A alternativa para essa convergência – e o resultado mais provável – é a separação da eurozona. A própria Grécia ainda pode precipitar isso. A menos que ela comece a crescer rápido, é difícil ver como ela poderá pagar as dívidas sem ter de postergá-las – de fato isso exigiria um ajuste maior do que qualquer outro já feito na história do FMI. E ainda assim é difícil ver um crescimento rápido sem desvalorização, e isso significaria trazer de volta o dracma. Não há mecanismo para deixar o euro. Qualquer saída terá que ser feita da noite para o dia, para evitar uma corrida aos bancos. Falando legalmente, seria muito bagunçado, mas não é mais impossível imaginar – de fato, em toda a Europa, banqueiros e advogados estão começando a testar a ideia.
Mesmo que a Grécia desvalorize sua moeda, ainda enfrentaria os problemas econômicos. O turismo beneficiaria o país, que por outro lado é fraco no setor de exportações (“azeitonas, barcos e sol”, disse um banqueiro inglês com desdém). Os mercados permitiram que o governo emprestasse apenas com taxas de juros punitivas. Acima de tudo, a saída do euro seria um golpe para o país. A ideia de deixar o euro passou por muitas conversas em Atenas antes do pacote de ajuda, mas, por enquanto, ela desapareceu.
Nem tanto na Alemanha. O debate sobre se o euro ainda beneficia a Alemanha, o país que fez mais do que qualquer outro para criar a moeda, teria sido impensável há um ano. Mas está acontecendo agora, à medida que os alemães se concentram na ideia de que a união em torno da moeda exigirá uma transferência contínua de seus superávits conquistados com suor para o sul.
A crise mudou as perspectivas não só para o euro mas para a UE propriamente dita. Depois da longa disputa do Tratado de Lisboa, muitas pessoas esperavam que a UE pudesse olhar para fora novamente, mas em vez disso ela voltou para os anos das cúpulas de emergência e acordos de ajuda. A crise também deve impedir a expansão futura, porque ela expôs os limites da disposição dos países ricos em pagar pelos mais pobres. Pode ser que Turquia e a Ucrânia, ambas grandes e pobres, tenham agora que buscar uma parceria mais próxima em vez do status de membros. Mas no momento em que a Rússia está procurando reconstruir sua influência em lugares como a Bulgária e a Ucrânia, a Europa sofrerá por dar a impressão de estar se retirando.
É fácil esquecer, na UE moderna, quando é possível tomar voos baratos por todo o continente e morar e trabalhar em qualquer lugar, como suas nações-membro são diferentes. Além disso, a UE mudou seus membros mais pobres mais do que seus fundadores imaginam. A crise que começou em Atenas em outubro provocou um choque profundo a esta visão da UE – e acima de tudo, à ideia alemã sobre seu papel na Europa. A falha da comissão, e especialmente da França e da Alemanha, em insistir que os países observassem as regras, veio de seu entusiasmo pelo projeto europeu e do desejo de satisfazer os países menores e mais pobres.
Talvez a crise – a mais séria da UE desde sua criação, de acordo com Angela Merkel – finalmente convencerá a Grécia, e outras economias mais fracas, a fazer as reformas que evitaram desde que se juntaram ao euro. O caminho mais fácil chegou ao fim, uma vez que a realidade econômica se impõe sobre o sonho político de uma moeda pan-europeia. No caso da Grécia, isso exigirá mudanças profundas numa cultura cujas raízes estão profundamente entranhadas na sociedade. Enquanto isso, a crise já tem consequências bem mais sérias – e que ameaçam a saúde de toda a União.
(Bronwen Maddox é correspondente estrangeiro chefe do Times de Londres e autor de “In Defense of America”.)
Tradução: Eloise De Vylder
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