Há vida inteligente no horizonte teórico dos economistas?
O mundo avança gradualmente no que tem sido caracterizado como catástrofe em câmara lenta, e os ajustes necessários no coração mesmo das formas de administrarmos a economia ainda estão engatinhando. Assustados com a acumulação e superposição de tendências críticas, os povos buscam de certa maneira voltar ao limbo do que funcionou no século passado, e temem naturalmente os transtornos. Gera-se um tipo de inércia institucional cada vez mais perigosa. Inovar é preciso. A boa notícia é que está se gerando uma rede planetária de economistas de bom senso que começam resgatam uma visão da economia a serviço da sociedade, e não de como se servir melhor. O artigo é de Ladislau Dowbor.
Ladislau Dowbor
O lamentável mainstream econômico ainda acha que o preço das commodities pode ser deixado na mão de um grupo de especuladores internacionais, que o futuro do petróleo ser resolverá por si mesmo, que a mudança climática é uma perspectiva desagradável trazida por cientistas ávidos de manchetes, que déficits gerados por especuladores financeiros (praticamente 100% do PIB só nos Estados Unidos) devem ser pagos pelos pobres, que a crescente desigualdade mundial se resolverá pela mão invisível. Quem são os sonhadores?
O mundo avança gradualmente no que tem sido caracterizado como catástrofe em câmara lenta (slow motion catastrophe), e os ajustes necessários no coração mesmo das formas de administrarmos a economia ainda estão engatinhando. Assustados com a acumulação e superposição de tendências críticas, os povos buscam de certa maneira voltar ao limbo do que funcionou no século passado, e temem naturalmente os transtornos. Gera-se um tipo de inércia institucional cada vez mais perigosa. Inovar é preciso.
Em Paris, neste mês de abril de 2011, reuniram-se economistas de diversos continentes para discutir os desenhos de uma “alternativa econômica global”. A iniciativa é do CCFD, uma ONG tradicional que luta pelos avanços sociais no planeta. Foram tres dias de apresentação de angústias e propostas por parte de economistas que têm consciência da dimensão dos desafios, e da própria fragilidade das propostas inovadoras, frente aos interesses dominantes que se agarram às velhas práticas e aos privilégios.
Não é uma reunião para soluções, tipo de um novo catecismo com regrinhas. Os desafios são demasiado complexos. Mas há sim eixos teóricos que se desenham.
Julia Wartenberg trouxe um pouco do clima que prevalece nos Estados Unidos, onde uma onda de pessimismo está varrendo do mapa a tão sólida crença no progresso indefinido, de que cada nova geração estará melhor do que a dos pais, de que as crises são coisas de países pobres, de que uma pessoa que queira trabalhar duro subirá na vida, de que se deixarmos o mercado em paz as coisas irão se resolver. Com uma dívida que equivale a um quarto do PIB mundial, e 40% dos lucros corporativos provenientes não da produção mas da especulação financeira, realmente já é tempo que os economistas americanos comecem a pensar em vez de repetir dogmas do século passado. Desorientados, os americanos se perguntam porque as coisas não estão funcionando, e buscam soluções menos ideológicas, e mais funcionais.
Os economistas franceses estão se mexendo, como Geneviève Azam, Xavier Ricard, Christian Arnsperger e Gael Giraud. Os países ricos foram adiando problemas ao substituir a demanda baseada em rendimentos reais por demanda baseada em crédito ao consumidor: as populações passaram a consumir não a partir da renda já recebida, mas em função do crédito obtido – via cartões e outros – gerando assim imensos lucros financeiros, mas uma demanda que vai se estrangulando pelo acúmulo de dívidas. “Porque a vida é agora”, por assim dizer. O resultado é um nível de consumo artificial cuja conta hoje aparece. Com a direita no poder, não são os intermediários financeiros os que são chamados a pagar, mas os que dependem de políticas sociais. Em nome da austeridade, reduz-se a demanda popular, aprofundando a crise.
A partir de economistas latinoamericanos, e em particular de representantes indígenas, surge com força a idéia do “bien vivir”, que implica reduzir a corrida extrativista e a obsessão consumista, e buscar equilíbrios nos valores, nos objetivos reais representados pela qualidade de vida para as pessoas associada ao respeito pela mãe natureza. Não é poesia, é bom senso. Idiotice é pensar que podemos continuar a espoliar o planeta impunemente, e equilibrar a economia ao concentrar os recursos nas mãos de minorias.
Teopista Akoyi, de Uganda, trouxe os imensos desafios da agricultura familiar, que ainda ocupa a metade da população mundial. Na linha do excelente relatório IAASTD com o qual contribuiu, analisa o mundo rural não apenas como fonte de produção e exportações, mas como dinâmica que tem de ser culturalmente aceitável pelas populações. A agricultura científica pode perfeitamente acomodar-se da agricultura familiar, dinamizando sistemas tradicionais, em vez de expulsar as populações com a monocultura extensiva que gera esgotamento de solos no campo, contaminação química da água e favelas nas cidades.
Enfrentamos, sem dúvida, elites predatórias, e em grande parte nos sentimos impotentes. Arnsperger traz com força a visão da necessidade de se democratizar os procedimentos econômicos, tanto pelo reforço da transparência, como por processos que permitam supervisão, em particular no mundo financeiro que afinal trabalha com dinheiro de terceiros, mas também em uma série de áreas críticas. Na realidade, não há porque a democracia parar nas portas das corporações. Toda atividade que tem impacto social deve prestar contas à sociedade, não é nenhum abuso. Quem tem mãos limpas pode mostrá-las.
As visões que surgiram na reunião podem provavelmente encontrar neste conceito de democracia econômica o seu denominador comum. A economia dever estar a serviço da sociedade. É tempo de repensarmos os seus paradigmas não com as bobagens de que se trata de uma “ciência”, e sim com bom senso. O que vivemos hoje é uma crise de visão do mundo. Até quando aceitaremos a morte de dez milhões de crianças por ano quando temos os meios financeiros e organizacionais para resolver o problema?
Alberto Arroyo nos fala do socialismo comunitário, democrático e descentralizado, em vez do socialismo burocrático. Kavaljit Sing, da India, apresenta o seu Fixing Global Finance, Oscar Ugarteche a necessidade de buscarmos formas práticas de expandir a compreensão do novo “senso comum”, em particular com a generalização do acesso ao conhecimento. São numerosas propostas, e pouco poder. Mas a rede que vai se formando no planeta tende a gerar novas convergências.
A realidade é que através de inúmeras iniciativas, que vão desde as reuniões do Fórum Social Mundial, até a redeOtro Desarrollo na América Latina, a New Economics Foundation de Londres, Ethical Marketplace de New York,Alternatives Economiques da França, blogs como o nosso Crise e Oportunidade , o movimento Real Economics, oMadhyam na Índia, enfim, está se gerando uma rede planetária de economistas de bom senso que começam resgatam uma visão da economia a serviço da sociedade, e não de como se servir melhor.
O mundo avança gradualmente no que tem sido caracterizado como catástrofe em câmara lenta (slow motion catastrophe), e os ajustes necessários no coração mesmo das formas de administrarmos a economia ainda estão engatinhando. Assustados com a acumulação e superposição de tendências críticas, os povos buscam de certa maneira voltar ao limbo do que funcionou no século passado, e temem naturalmente os transtornos. Gera-se um tipo de inércia institucional cada vez mais perigosa. Inovar é preciso.
Em Paris, neste mês de abril de 2011, reuniram-se economistas de diversos continentes para discutir os desenhos de uma “alternativa econômica global”. A iniciativa é do CCFD, uma ONG tradicional que luta pelos avanços sociais no planeta. Foram tres dias de apresentação de angústias e propostas por parte de economistas que têm consciência da dimensão dos desafios, e da própria fragilidade das propostas inovadoras, frente aos interesses dominantes que se agarram às velhas práticas e aos privilégios.
Não é uma reunião para soluções, tipo de um novo catecismo com regrinhas. Os desafios são demasiado complexos. Mas há sim eixos teóricos que se desenham.
Julia Wartenberg trouxe um pouco do clima que prevalece nos Estados Unidos, onde uma onda de pessimismo está varrendo do mapa a tão sólida crença no progresso indefinido, de que cada nova geração estará melhor do que a dos pais, de que as crises são coisas de países pobres, de que uma pessoa que queira trabalhar duro subirá na vida, de que se deixarmos o mercado em paz as coisas irão se resolver. Com uma dívida que equivale a um quarto do PIB mundial, e 40% dos lucros corporativos provenientes não da produção mas da especulação financeira, realmente já é tempo que os economistas americanos comecem a pensar em vez de repetir dogmas do século passado. Desorientados, os americanos se perguntam porque as coisas não estão funcionando, e buscam soluções menos ideológicas, e mais funcionais.
Os economistas franceses estão se mexendo, como Geneviève Azam, Xavier Ricard, Christian Arnsperger e Gael Giraud. Os países ricos foram adiando problemas ao substituir a demanda baseada em rendimentos reais por demanda baseada em crédito ao consumidor: as populações passaram a consumir não a partir da renda já recebida, mas em função do crédito obtido – via cartões e outros – gerando assim imensos lucros financeiros, mas uma demanda que vai se estrangulando pelo acúmulo de dívidas. “Porque a vida é agora”, por assim dizer. O resultado é um nível de consumo artificial cuja conta hoje aparece. Com a direita no poder, não são os intermediários financeiros os que são chamados a pagar, mas os que dependem de políticas sociais. Em nome da austeridade, reduz-se a demanda popular, aprofundando a crise.
A partir de economistas latinoamericanos, e em particular de representantes indígenas, surge com força a idéia do “bien vivir”, que implica reduzir a corrida extrativista e a obsessão consumista, e buscar equilíbrios nos valores, nos objetivos reais representados pela qualidade de vida para as pessoas associada ao respeito pela mãe natureza. Não é poesia, é bom senso. Idiotice é pensar que podemos continuar a espoliar o planeta impunemente, e equilibrar a economia ao concentrar os recursos nas mãos de minorias.
Teopista Akoyi, de Uganda, trouxe os imensos desafios da agricultura familiar, que ainda ocupa a metade da população mundial. Na linha do excelente relatório IAASTD com o qual contribuiu, analisa o mundo rural não apenas como fonte de produção e exportações, mas como dinâmica que tem de ser culturalmente aceitável pelas populações. A agricultura científica pode perfeitamente acomodar-se da agricultura familiar, dinamizando sistemas tradicionais, em vez de expulsar as populações com a monocultura extensiva que gera esgotamento de solos no campo, contaminação química da água e favelas nas cidades.
Enfrentamos, sem dúvida, elites predatórias, e em grande parte nos sentimos impotentes. Arnsperger traz com força a visão da necessidade de se democratizar os procedimentos econômicos, tanto pelo reforço da transparência, como por processos que permitam supervisão, em particular no mundo financeiro que afinal trabalha com dinheiro de terceiros, mas também em uma série de áreas críticas. Na realidade, não há porque a democracia parar nas portas das corporações. Toda atividade que tem impacto social deve prestar contas à sociedade, não é nenhum abuso. Quem tem mãos limpas pode mostrá-las.
As visões que surgiram na reunião podem provavelmente encontrar neste conceito de democracia econômica o seu denominador comum. A economia dever estar a serviço da sociedade. É tempo de repensarmos os seus paradigmas não com as bobagens de que se trata de uma “ciência”, e sim com bom senso. O que vivemos hoje é uma crise de visão do mundo. Até quando aceitaremos a morte de dez milhões de crianças por ano quando temos os meios financeiros e organizacionais para resolver o problema?
Alberto Arroyo nos fala do socialismo comunitário, democrático e descentralizado, em vez do socialismo burocrático. Kavaljit Sing, da India, apresenta o seu Fixing Global Finance, Oscar Ugarteche a necessidade de buscarmos formas práticas de expandir a compreensão do novo “senso comum”, em particular com a generalização do acesso ao conhecimento. São numerosas propostas, e pouco poder. Mas a rede que vai se formando no planeta tende a gerar novas convergências.
A realidade é que através de inúmeras iniciativas, que vão desde as reuniões do Fórum Social Mundial, até a redeOtro Desarrollo na América Latina, a New Economics Foundation de Londres, Ethical Marketplace de New York,Alternatives Economiques da França, blogs como o nosso Crise e Oportunidade , o movimento Real Economics, oMadhyam na Índia, enfim, está se gerando uma rede planetária de economistas de bom senso que começam resgatam uma visão da economia a serviço da sociedade, e não de como se servir melhor.
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