A volta dos colonizadores?
Países ricos compram terras dos pobres para expandir a área agrícola. É um negócio tão polêmico que já provocou até a queda de um presidente
"Terceirização de terras" prejudica países em desenvolvimento: Muitos pequenos agricultores têm que abandonar terras arrendadas por outros países
Países ricos compram terras dos pobres para expandir a área agrícola. É um negócio tão polêmico que já provocou até a queda de um presidente
Tatiana Gianini
Revista Exame - 01/07/2009
Mesmo em meio a um continente onde problemas como a miséria e os conflitos civis fazem parte do cotidiano de várias nações, o Sudão consegue se destacar negativamente. O país, de 41 milhões de habitantes, tem uma das menores rendas per capita do mundo (2 200 dólares, um quarto da brasileira) e enfrenta desde 2003 o acirramento da crise na região de Darfur, que já deixou como saldo um total de 5 milhões de refugiados. Apesar das tragédias, o Sudão tem recebido nos últimos anos um fluxo crescente de investimentos estrangeiros. Quase a totalidade do dinheiro que entra no país tem a mesma finalidade: comprar ou arrendar terras para o cultivo de produtos agrícolas. Mais de 1 milhão de hectares, o equivalente à metade da área do estado de Sergipe, encontram-se hoje nas mãos de países como Arábia Saudita e Coreia do Sul, que viram no Sudão uma oportunidade de expandir suas escassas áreas disponíveis para a produção de alimentos. Os investimentos agrícolas representam atualmente quase 20% de todo o dinheiro aplicado no Sudão. Se o ritmo atual de negócios for mantido, essa taxa pode chegar a 50% até 2010.
O fenômeno registrado no Sudão tem ocorrido em várias regiões do mundo. De acordo com um relatório divulgado em abril pelo grupo de análise International Food Policy Research Institute, de Washington, cerca de 20 milhões de hectares de terra foram arrendados ou vendidos em mais de 40 transações desde 2006 (veja quadro). A maior parte das propriedades adquiridas está em países pobres da África e da Ásia. Carentes de dinheiro e de investimentos - mas ricos em solos férteis -, eles aceitam vender ou arrendar nacos substanciais de seu território em troca de capital ou das promessas de geração de emprego e de investimentos em infraestrutura. Os compradores mais interessados são os países desérticos do norte da África e do Oriente Médio. Com escassos solos aráveis, eles têm uma reduzida capacidade de produção e, em alguns casos, importam até 90% dos alimentos consumidos no mercado interno. "Os países pobres têm a terra e a água, e nós temos o dinheiro", disse em entrevista recente ao The New York Times um funcionário graduado do Ministério de Agricultura do Bahrein, que preferiu não se identificar. O país já comprou 10 000 hectares de propriedades nas Filipinas.
A venda de terras para investidores estrangeiros ganhou impulso nos últimos anos por causa da alta no preço das commodities agrícolas e da crise. Enquanto os investidores privados buscam novas fontes de lucro depois da derrocada do mercado financeiro, os governos de países da Ásia e do Oriente Médio têm como grande motivação garantir a segurança alimentar. "Eles estão tentando diminuir as importações de alimentos adquirindo terras para produzir seus próprios estoques", disse a EXAME a pesquisadora americana Ruth Meinzen-Dick, uma das autoras do estudo sobre a posse de terras agrícolas por estrangeiros do International Food Policy Research Institute.
Um dos maiores compradores é o governo da Arábia Saudita, em especial desde que o país teve de começar a abandonar sua própria produção de trigo, no começo de 2008. O cultivo do grão era capaz de suprir todas as necessidades do país, mas consumia boa parte de seus já limitados estoques de água. Para evitar a escassez do recurso no futuro, o governo saudita decidiu reduzir gradativamente a produção local de trigo. A ideia é substituí-la por plantios realizados no exterior em terras arrendadas em países da África. Na Etiópia, o plano prevê um investimento de 100 milhões de dólares na compra e no arrendamento de terras para o cultivo de trigo a partir de 2010. A produção de arroz por lá já começou e, em janeiro, os sauditas festejaram a chegada da primeira colheita realizada em solo africano.
Na Ásia, quem saiu às compras foi a China. Com 20% da população mundial e apenas 7% da terra arável e 7% da água doce, o país não tem outra opção senão buscar no exterior seu abastecimento. Tem feito isso importando alimentos de países exportadores, ação que o sujeita à variação dos preços no mercado internacional, ou cultivando em solos estrangeiros por meio de empresas privadas chinesas e do governo. Gradualmente, o país tem deslocado parte de sua produção de alimentos para a África. Ali, a maior parte dos cultivos é de arroz, feijão, soja e milho, além de produtos para biocombustíveis. Em uma das maiores transações, o governo chinês comprou 2,8 milhões de hectares para o cultivo de palma para a produção de biocombustível na República Democrática do Congo. Outros 5 milhões de hectares de terras africanas estão sendo negociados no momento com a China.
As operações de compra e venda de terras entre os países não têm nada de ilegal, evidentemente, mas são um assunto polêmico. Segundo um estudo recente da FAO, o órgão das Nações Unidas para agricultura e alimentação, vastos territórios da África estão sendo concedidos "quase de graça" para uso por 50 e até 99 anos. As poucas vantagens consistem em promessas de vagas de emprego e infraestrutura. Ainda sobram críticas para os acordos em países africanos cuja própria população sofre com a fome, caso do Sudão. O diretor-geral da FAO, Jacques Diouf, já afirmou que há um risco grande de a prática se tornar uma forma nova de colonialismo, ao transformar países pobres em fornecedores de alimentos para nações ricas em detrimento de sua própria população. "Algumas negociações têm levado a relações internacionais desiguais e a uma agricultura mercantilista de curto prazo", disse ele numa entrevista recente.
Um dos negócios mais criticados ocorreu em novembro, entre o conglomerado sul-coreano Daewoo e o governo da ilha africana de Madagascar. O acordo previa o arrendamento gratuito, por 99 anos, de 1,3 milhão de hectares na ilha - mais da metade da terra arável de Madagascar - a Daewoo, que usaria a terra para produzir grãos para a Coreia do Sul. Em troca, Madagascar ficaria com as oportunidades de emprego geradas pela empreitada, além de se beneficiar dos possíveis investimentos asiáticos em estradas e irrigação. A negociação mereceu um ácido editorial no jornal inglês Financial Times, um notório defensor da livre iniciativa. A população se revoltou e o fato foi um dos causadores da onda de protestos que culminou na renúncia do presidente Marc Ravalomanana, em março. Logo ao tomar posse, o novo líder do país, Andry Rajoelina, cancelou o contrato. "Os países concessores parecem ansiosos e apressados em conceder terras sem primeiro fazer uma análise apropriada do custo-benefício, o que pode levar a uma perda de controle sobre áreas substanciais de agricultura, minando sua própria autossuficiência", disse a EXAME Herbert Jauch, especialista em África do Larri, importante centro de pesquisas africano.
Revista Exame - 01/07/2009
Mesmo em meio a um continente onde problemas como a miséria e os conflitos civis fazem parte do cotidiano de várias nações, o Sudão consegue se destacar negativamente. O país, de 41 milhões de habitantes, tem uma das menores rendas per capita do mundo (2 200 dólares, um quarto da brasileira) e enfrenta desde 2003 o acirramento da crise na região de Darfur, que já deixou como saldo um total de 5 milhões de refugiados. Apesar das tragédias, o Sudão tem recebido nos últimos anos um fluxo crescente de investimentos estrangeiros. Quase a totalidade do dinheiro que entra no país tem a mesma finalidade: comprar ou arrendar terras para o cultivo de produtos agrícolas. Mais de 1 milhão de hectares, o equivalente à metade da área do estado de Sergipe, encontram-se hoje nas mãos de países como Arábia Saudita e Coreia do Sul, que viram no Sudão uma oportunidade de expandir suas escassas áreas disponíveis para a produção de alimentos. Os investimentos agrícolas representam atualmente quase 20% de todo o dinheiro aplicado no Sudão. Se o ritmo atual de negócios for mantido, essa taxa pode chegar a 50% até 2010.
O fenômeno registrado no Sudão tem ocorrido em várias regiões do mundo. De acordo com um relatório divulgado em abril pelo grupo de análise International Food Policy Research Institute, de Washington, cerca de 20 milhões de hectares de terra foram arrendados ou vendidos em mais de 40 transações desde 2006 (veja quadro). A maior parte das propriedades adquiridas está em países pobres da África e da Ásia. Carentes de dinheiro e de investimentos - mas ricos em solos férteis -, eles aceitam vender ou arrendar nacos substanciais de seu território em troca de capital ou das promessas de geração de emprego e de investimentos em infraestrutura. Os compradores mais interessados são os países desérticos do norte da África e do Oriente Médio. Com escassos solos aráveis, eles têm uma reduzida capacidade de produção e, em alguns casos, importam até 90% dos alimentos consumidos no mercado interno. "Os países pobres têm a terra e a água, e nós temos o dinheiro", disse em entrevista recente ao The New York Times um funcionário graduado do Ministério de Agricultura do Bahrein, que preferiu não se identificar. O país já comprou 10 000 hectares de propriedades nas Filipinas.
A venda de terras para investidores estrangeiros ganhou impulso nos últimos anos por causa da alta no preço das commodities agrícolas e da crise. Enquanto os investidores privados buscam novas fontes de lucro depois da derrocada do mercado financeiro, os governos de países da Ásia e do Oriente Médio têm como grande motivação garantir a segurança alimentar. "Eles estão tentando diminuir as importações de alimentos adquirindo terras para produzir seus próprios estoques", disse a EXAME a pesquisadora americana Ruth Meinzen-Dick, uma das autoras do estudo sobre a posse de terras agrícolas por estrangeiros do International Food Policy Research Institute.
Um dos maiores compradores é o governo da Arábia Saudita, em especial desde que o país teve de começar a abandonar sua própria produção de trigo, no começo de 2008. O cultivo do grão era capaz de suprir todas as necessidades do país, mas consumia boa parte de seus já limitados estoques de água. Para evitar a escassez do recurso no futuro, o governo saudita decidiu reduzir gradativamente a produção local de trigo. A ideia é substituí-la por plantios realizados no exterior em terras arrendadas em países da África. Na Etiópia, o plano prevê um investimento de 100 milhões de dólares na compra e no arrendamento de terras para o cultivo de trigo a partir de 2010. A produção de arroz por lá já começou e, em janeiro, os sauditas festejaram a chegada da primeira colheita realizada em solo africano.
Na Ásia, quem saiu às compras foi a China. Com 20% da população mundial e apenas 7% da terra arável e 7% da água doce, o país não tem outra opção senão buscar no exterior seu abastecimento. Tem feito isso importando alimentos de países exportadores, ação que o sujeita à variação dos preços no mercado internacional, ou cultivando em solos estrangeiros por meio de empresas privadas chinesas e do governo. Gradualmente, o país tem deslocado parte de sua produção de alimentos para a África. Ali, a maior parte dos cultivos é de arroz, feijão, soja e milho, além de produtos para biocombustíveis. Em uma das maiores transações, o governo chinês comprou 2,8 milhões de hectares para o cultivo de palma para a produção de biocombustível na República Democrática do Congo. Outros 5 milhões de hectares de terras africanas estão sendo negociados no momento com a China.
As operações de compra e venda de terras entre os países não têm nada de ilegal, evidentemente, mas são um assunto polêmico. Segundo um estudo recente da FAO, o órgão das Nações Unidas para agricultura e alimentação, vastos territórios da África estão sendo concedidos "quase de graça" para uso por 50 e até 99 anos. As poucas vantagens consistem em promessas de vagas de emprego e infraestrutura. Ainda sobram críticas para os acordos em países africanos cuja própria população sofre com a fome, caso do Sudão. O diretor-geral da FAO, Jacques Diouf, já afirmou que há um risco grande de a prática se tornar uma forma nova de colonialismo, ao transformar países pobres em fornecedores de alimentos para nações ricas em detrimento de sua própria população. "Algumas negociações têm levado a relações internacionais desiguais e a uma agricultura mercantilista de curto prazo", disse ele numa entrevista recente.
Um dos negócios mais criticados ocorreu em novembro, entre o conglomerado sul-coreano Daewoo e o governo da ilha africana de Madagascar. O acordo previa o arrendamento gratuito, por 99 anos, de 1,3 milhão de hectares na ilha - mais da metade da terra arável de Madagascar - a Daewoo, que usaria a terra para produzir grãos para a Coreia do Sul. Em troca, Madagascar ficaria com as oportunidades de emprego geradas pela empreitada, além de se beneficiar dos possíveis investimentos asiáticos em estradas e irrigação. A negociação mereceu um ácido editorial no jornal inglês Financial Times, um notório defensor da livre iniciativa. A população se revoltou e o fato foi um dos causadores da onda de protestos que culminou na renúncia do presidente Marc Ravalomanana, em março. Logo ao tomar posse, o novo líder do país, Andry Rajoelina, cancelou o contrato. "Os países concessores parecem ansiosos e apressados em conceder terras sem primeiro fazer uma análise apropriada do custo-benefício, o que pode levar a uma perda de controle sobre áreas substanciais de agricultura, minando sua própria autossuficiência", disse a EXAME Herbert Jauch, especialista em África do Larri, importante centro de pesquisas africano.
Fonte: Planeta Sustentável
"Terceirização de terras" prejudica países em desenvolvimento: Muitos pequenos agricultores têm que abandonar terras arrendadas por outros países
Autora: Ulrike Mast-Kirschning; Revisão: Simone Lopes
Cresce a tendência de offshore farming: há países e investidores comprando e arrendando extensas áreas cultiváveis em nações pobres para produzir alimentos. As populações locais só têm a perder, alertam críticos. Os especialistas já falam de uma verdadeira caça à terra alheia, motivada pelos mais diversos fatores. Arábia Saudita, Japão, China, Coreia, Líbia e Egito são países que precisam importar alimentos, a fim de suprir a demanda interna da população.
Há meses, as autoridades competentes dessas e de outras nações estão negociando a compra ou arrendamento de terra fértil no Brasil, Sudão, Uganda, Camboja e Paquistão, por exemplo, confirmando uma tendência mundial denominada offshore farming.
E não só representantes governamentais, mas também investidores privados, estão à procura de terras cultiváveis, a baixo preço, em todos os continentes, seja para garantir a produção da indústria alimentícia ou para o cultivo de plantas destinadas à produção de biocombustível.
ALEMÃES TAMBÉM
Os empresários alemães também estão nesse barco. A Barnstedt eG e a prefeitura de Uelzen, cidade pequena situada no norte alemão, por exemplo, já compraram terras na Rússia para esse fim. A Agranus AG, sob direção de um ex-executivo da Bayer, arrendou consideráveis extensões de terra na Romênia, Bulgária e na República Tcheca. Já a Prokon GmbH e a Co KG dispõem de mais de 10 mil hectares na Tanzânia, enquanto a empresa Flora Ecopower, de Munique, marca presença na Etiópia.
De acordo com estimativas da ONU, desde 2005, entre 15 e 20 milhões de hectares de terra de países em desenvolvimento foram vendidos ou arrendados por nações mais ricas, extensões que equivalem a nada menos que um quinto das superfícies cultiváveis da Europa. Negócios que acabam, por diversas razões, prejudicando as populaçõoes de regiões carentes, afirma Roman Herre, especialista em reforma agrária da Fian, uma organização internacional de defesa dos direitos humanos.
"A água, um recurso natural cada vez mais escasso, se tornou um bem extremamente estatégico. É evidente que muitas dessas empresas asseguram, através do acesso à terra, também o acesso à água. Há avaliações de especialistas de que haverá, no futuro, uma escassez muito maior de água do que de combustíveis fósseis", observa Herre.
POPULAÇÃO LOCAL EM DESVANTAGEM
Hoje, comenta o especialista, a falta de acesso à terra e água já pode ser considerada o maior problema para pequenos produtores rurais. A compra ou arrendamento de grandes áreas por estrangeiros acaba gerando somente poucos empregos para a população local. Muitas vezes – como é o caso dos chineses na África – os países que compram ou arrendam a terra também enviam a mão-de-obra de casa.
Os agricultores locais estão ameaçados de serem expulsos das áreas que até então cultivavam. Esse foi o caso, por exemplo, de Peter Baleke Kayiira, obrigado a fugir, já em 2001, das Forças Armadas na Uganda. Tudo isso porque o governo ugandense havia aceitado que uma empresa alemã que comercializa café usasse a região ao redor de seu povoado para uma plantação.
"Antes de sermos expulsos tudo estava bem, tínhamos nosso sustento garantido e até sobrava parte da produção que vendíamos. Agora isso não é mais possível. Só conseguimos fazer uma refeição por dia, as crianças não podem mais frequentar a escola. Se continuar assim, daqui a pouco seremos escravos", descreve Kayiira.
PARCA PARTICIPAÇÃO
As negociações que definem as condições de venda ou arrendamento de terra se realizam, na maioria das vezes, sem a participação da população local. Como o que aconteceu em Madagascar, onde o governo caiu no início do ano, depois que veio a público a intenção das autoridades de arrendar metade das zonas cultiváveis do país para um grupo da Coreia do Sul pelo prazo de nada menos que 99 anos.
Esse não é um caso isolado, diz Herre, lembrando que no Quênia houve uma situação semelhante. "Lá, o emirado árabe Catar recebeu grandes extensões de terra, em troca da promessa de investir na região, entre outros na construção de um porto local."
O exemplo do Quênia e de Madagascar são clássicos, pois nesses dois países, como em muitos outros, a população local está sendo completamente ignorada durante tais negociações. Esses contratos são, na maioria das vezes, ocultados da opinião pública e só vêm à tona por acaso", denuncia o especialista da Fian.
PROMESSAS VAZIAS
A experiência da organização mostra que os investidores, nesses contratos, costumam prometer projetos compatíveis com o desenvolvimento social local, bem como a criação de postos de trabalho e melhoria da infraestrutura. Essas promessas, contudo, quase nunca são cumpridas. Além disso, é importante lembrar que a produção agrária em escala industrial também afeta o meio ambiente de forma decisiva.
"Quando se vê que o Banco Mundial, por exemplo, quer investir quatro bilhões de euros nos agronegócios, pode-se partir do princípio de que essas terras serão basicamente ocupadas pela monocultura e o consumo de água será extremamente alto. O uso de pesticidas e adubo também se intensifica, algo altamente prejudicial ao meio ambiente", explica Heere.
Desde a recente crise de alimentos de 2008, cresce – pelo menos nos setores de cooperação internacional – a consciência de que os pequenos produtores dos países do hemisfério sul são os que mais sofrem com o problema. Um acesso justo e igualitário à terra e à água e uma participação real das populações locais nos processos de decisão fazem parte do direito humano ao alimento, reconhecido pelo direito internacional. Isso é o que todo governo tem que garantir, conclui o especialista Heere.
FONTE: http://www.agrosoft.org.br/agropag/211430.htm
Há meses, as autoridades competentes dessas e de outras nações estão negociando a compra ou arrendamento de terra fértil no Brasil, Sudão, Uganda, Camboja e Paquistão, por exemplo, confirmando uma tendência mundial denominada offshore farming.
E não só representantes governamentais, mas também investidores privados, estão à procura de terras cultiváveis, a baixo preço, em todos os continentes, seja para garantir a produção da indústria alimentícia ou para o cultivo de plantas destinadas à produção de biocombustível.
ALEMÃES TAMBÉM
Os empresários alemães também estão nesse barco. A Barnstedt eG e a prefeitura de Uelzen, cidade pequena situada no norte alemão, por exemplo, já compraram terras na Rússia para esse fim. A Agranus AG, sob direção de um ex-executivo da Bayer, arrendou consideráveis extensões de terra na Romênia, Bulgária e na República Tcheca. Já a Prokon GmbH e a Co KG dispõem de mais de 10 mil hectares na Tanzânia, enquanto a empresa Flora Ecopower, de Munique, marca presença na Etiópia.
De acordo com estimativas da ONU, desde 2005, entre 15 e 20 milhões de hectares de terra de países em desenvolvimento foram vendidos ou arrendados por nações mais ricas, extensões que equivalem a nada menos que um quinto das superfícies cultiváveis da Europa. Negócios que acabam, por diversas razões, prejudicando as populaçõoes de regiões carentes, afirma Roman Herre, especialista em reforma agrária da Fian, uma organização internacional de defesa dos direitos humanos.
"A água, um recurso natural cada vez mais escasso, se tornou um bem extremamente estatégico. É evidente que muitas dessas empresas asseguram, através do acesso à terra, também o acesso à água. Há avaliações de especialistas de que haverá, no futuro, uma escassez muito maior de água do que de combustíveis fósseis", observa Herre.
POPULAÇÃO LOCAL EM DESVANTAGEM
Hoje, comenta o especialista, a falta de acesso à terra e água já pode ser considerada o maior problema para pequenos produtores rurais. A compra ou arrendamento de grandes áreas por estrangeiros acaba gerando somente poucos empregos para a população local. Muitas vezes – como é o caso dos chineses na África – os países que compram ou arrendam a terra também enviam a mão-de-obra de casa.
Os agricultores locais estão ameaçados de serem expulsos das áreas que até então cultivavam. Esse foi o caso, por exemplo, de Peter Baleke Kayiira, obrigado a fugir, já em 2001, das Forças Armadas na Uganda. Tudo isso porque o governo ugandense havia aceitado que uma empresa alemã que comercializa café usasse a região ao redor de seu povoado para uma plantação.
"Antes de sermos expulsos tudo estava bem, tínhamos nosso sustento garantido e até sobrava parte da produção que vendíamos. Agora isso não é mais possível. Só conseguimos fazer uma refeição por dia, as crianças não podem mais frequentar a escola. Se continuar assim, daqui a pouco seremos escravos", descreve Kayiira.
PARCA PARTICIPAÇÃO
As negociações que definem as condições de venda ou arrendamento de terra se realizam, na maioria das vezes, sem a participação da população local. Como o que aconteceu em Madagascar, onde o governo caiu no início do ano, depois que veio a público a intenção das autoridades de arrendar metade das zonas cultiváveis do país para um grupo da Coreia do Sul pelo prazo de nada menos que 99 anos.
Esse não é um caso isolado, diz Herre, lembrando que no Quênia houve uma situação semelhante. "Lá, o emirado árabe Catar recebeu grandes extensões de terra, em troca da promessa de investir na região, entre outros na construção de um porto local."
O exemplo do Quênia e de Madagascar são clássicos, pois nesses dois países, como em muitos outros, a população local está sendo completamente ignorada durante tais negociações. Esses contratos são, na maioria das vezes, ocultados da opinião pública e só vêm à tona por acaso", denuncia o especialista da Fian.
PROMESSAS VAZIAS
A experiência da organização mostra que os investidores, nesses contratos, costumam prometer projetos compatíveis com o desenvolvimento social local, bem como a criação de postos de trabalho e melhoria da infraestrutura. Essas promessas, contudo, quase nunca são cumpridas. Além disso, é importante lembrar que a produção agrária em escala industrial também afeta o meio ambiente de forma decisiva.
"Quando se vê que o Banco Mundial, por exemplo, quer investir quatro bilhões de euros nos agronegócios, pode-se partir do princípio de que essas terras serão basicamente ocupadas pela monocultura e o consumo de água será extremamente alto. O uso de pesticidas e adubo também se intensifica, algo altamente prejudicial ao meio ambiente", explica Heere.
Desde a recente crise de alimentos de 2008, cresce – pelo menos nos setores de cooperação internacional – a consciência de que os pequenos produtores dos países do hemisfério sul são os que mais sofrem com o problema. Um acesso justo e igualitário à terra e à água e uma participação real das populações locais nos processos de decisão fazem parte do direito humano ao alimento, reconhecido pelo direito internacional. Isso é o que todo governo tem que garantir, conclui o especialista Heere.
FONTE: http://www.agrosoft.org.br/agropag/211430.htm
Mais essa agora... com essa tendênica a terceirização de terras cultiváveis (offshore farming), significa que de repente a gente pode tá pisando em terra alhéia???...
ResponderExcluirEsses países como Arábia Saudita, Japão, China, Egito...que precisam importar alimentos, a fim de suprir a demanda interna da população, não encontram outra alternativa ou será essa mais cômoda/econômica para eles?? Acho q essa é uma das primeiras medidas tomada por esses países que já enfretam o problema da escassez da água e de terras, imaginem quando esse for um problema de todos os outros... realidade...