domingo, 9 de agosto de 2009

Negócios Sustentáveis

Foto: Leticia Freire


07/08/2009 - 18:42:44

Visão social e humanística do transporte urbano sobre trilhos

Marcus Quintella, Colunista de Plurale (*)


Os especialistas em transportes vêm produzindo diversos estudos comprobatórios da viabilidade econômica dos projetos metroferroviários, que mostram claramente que são gerados benefícios sócio-econômicos suficientes para superar os investimentos públicos realizados. Isso significa dizer que os trens urbanos e metrôs são altamente lucrativos, não no sentido financeiro, mas no sentido sócio-econômico-ambiental. Vou mais longe ainda, o transporte público sobre trilhos produz, e sempre produzirá, um imensurável lucro humanístico e ambiental de grande percepção e possível identificação.

Esse lucro humanístico pode ser representado pelos seguintes benefícios tangíveis mais comuns: reduções de acidentes de trânsito, diminuição dos tempos de viagem, economia de combustíveis, eliminação de congestionamentos, redução das poluições atmosférica e sonora, valorização imobiliária, estruturação urbana, desenvolvimento econômico regional, geração de empregos, redução dos custos de manutenção das vias urbanas e aumento de arrecadação tributária. Além disso, são gerados benefícios intangíveis como conforto, segurança, tranqüilidade e qualidade de vida.

Um metrô padrão, de uma cidade como Salvador, por exemplo, conduziria, anualmente, a uma diminuição de 640 milhões de litros de gasolina, 140 milhões de litros de álcool anidro, 49 milhões de litros de álcool hidratado e mais de 1,7 bilhões de litros de óleo diesel, por conta da menor necessidade de veículos nas ruas. Em valores de 2008, o total de recursos poupados seria de R$ 5 bilhões. A redução da poluição do ar evitaria o desembolso de mais de R$160 milhões para mitigação dos impactos gerados. Esse valor seria capaz de sustentar mais de 50 mil bolsas-família por ano. Os grandes sistemas metroferroviários brasileiros emitem 75% de óxido de nitrogênio a menos que os automóveis com um ocupante apenas e quase nenhum hidrocarboneto e monóxido de carbono.

Segundo um estudo do IPEA, mais de 80 minutos perdidos constantemente no percurso casa-trabalho-casa podem causar uma redução de 21% na produtividade profissional das pessoas. Além disso, os congestionamentos, além do desconforto para os usuários do transporte público e para os cidadãos motorizados, comprometem imensuravelmente a qualidade de vida de todos.

Considerando-se que um trabalhador típico de uma cidade como Rio de Janeiro ou São Paulo gaste, em média, atualmente, 3 horas por dia dentro de um meio de transporte, para ir e voltar do trabalho, o tempo total gasto, numa vida de trabalho de 35 anos, corresponde a três anos e meio de vida perdida dentro de um veículo, público ou particular. Quanto custa isso, em termos de danos físicos e psicológicos? Cada hora reduzida em congestionamentos, por meio de investimentos em transporte público inteligente, corresponderia a um ano e dois meses de vida a mais para as pessoas.

Para entendermos a gravidade da questão, basta verificarmos que, nos últimos anos, as velocidades médias dos automóveis e ônibus urbanos caíram sensivelmente, face ao crescimento dos congestionamentos. No Rio de Janeiro, há dez anos, certas distâncias que eram cobertas em 40 minutos, hoje levam 70 minutos, produzindo, assim, a uma inflação de tempo de 75%, ou seja, 5,8% ao ano. Há casos piores de inflação de tempo, que chegam a mais de 10% ao ano.

Por outro lado, o Metrô de São Paulo demonstrou, em seu balanço social de 2005, que conseguiu uma redução do tempo de viagem para a população paulistana de 463 milhões de horas, correspondentes, em termos monetários, a cerca de R$ 2 bilhões. Dentre os diversos benefícios gerados pelo Metrô-SP, como reduções de poluentes atmosféricos, combustíveis, acidentes, custos operacionais dos veículos e manutenção das vias urbana, a redução do tempo de viagem equivaleu a quase 60% do total.

Em termos de vantagens competitivas, se gasta a metade do tempo viajando de trem ou metrô, em comparação com o ônibus ou automóvel. Um trem cheio possui uma eficiência energética 15 vezes superior à do automóvel. Os sistemas metroferroviários apresentam baixos índices de acidentes, com milhares de mortes e acidentes de trânsito evitados, gerando menos danos às famílias e à sociedade. Os imóveis residenciais e de negócios lindeiros às estações dos sistemas metroferroviários são valorizados. Os carros, estações e leitos ferroviários podem ser explorados para a veiculação de propaganda de diversos modos, gerando receitas extra-operacionais e promovendo o interesse público. Aproximadamente 1.250 passageiros são transportados em um trem de 65 m, o que corresponderia a uma fila de 25 ônibus (300 m) ou 830 automóveis (4 km).

Em algumas cidades brasileiras, como Maceió, João Pessoa, e Natal, os pequenos sistemas de trens urbanos, movidos a diesel, produzem os mesmos tipos de benefícios humanísticos dos grandes sistemas metroferroviários, mas de outra forma. Para o leitor ter uma idéia da importância desses sistemas, vou descrever como são transferidos para as populações dessas três cidades os benefícios relatados anteriormente. Os sistemas de trens urbanos dessas três cidades nordestinas são operados pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos - CBTU, empresa do Governo Federal, vinculada ao Ministério das Cidades, e transportam perto de 30 mil pessoas por dia, que correspondem a 10 milhões de pessoas, anualmente, sem contar a grande evasão observada. A tarifa social cobrada é de R$0,50, para trechos de 30 km, em Maceió e João Pessoa, e de 56 km, em Natal. Os trens da CBTU atendem os pobres municípios das regiões metropolitanas dessas capitais, verdadeiras cidadezinhas de interior, que, para a maioria de seus usuários, são o único meio de transporte disponível ou acessível para transportá-los aos centros urbanos, onde trabalham ou sobrevivem com empregos informais. Muitos usuários da CBTU saem de casa apenas com o dinheiro da passagem de ida, ou seja, com R$0,50 no bolso. Elas se dirigem para os centros dessas cidades para comer, levar algo de volta e conseguir o dinheiro da passagem de volta. Caso consigam comer e voltar para casa, já “ganharam o dia”. Os demais usuários dependem dos trens da CBTU para trabalhar, senão ficariam em casa, pois as tarifas dos ônibus urbanos são inalcançáveis para eles.

Caro leitor, diante do exposto acima, que, in loco,é muito mais impressionante e tocante, como alguém poderia questionar se realmente são verdadeiros os benefícios do transporte urbano sobre trilhos, tanto para os grandes sistemas metroferroviários, como para os pequenos sistemas de trens urbanos? Tudo isso serve para comprovar que o transporte público sobre trilhos não foi feito para dar lucro financeiro, mas lucros sociais e humanísticos, produzidos pelos investimentos e subsídios operacionais bancados pelo dinheiro público.

(*)Este artigo é destaque na edição 12 de Plurale em revista. Marcus Quintella é Colunista de Plurale, colaborando com um artigo por mês. Doutor em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ, mestre em Transportes pelo Instituto Militar de Engenharia, considerado um dos principais especialistas em transportes urbanos. Professor da FGV e do IME. É atualmente Diretor Técnico da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU)

(Plurale)

Fonte: Mercado Ético
http://mercadoetico.terra.com.br/arquivo/visao-social-e-humanistica-do-transporte-urbano-sobre-trilhos/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=mercado-etico-hoje

Um comentário:

  1. No Brasil, infelizmente, ao invés de uma ampliação do transporte sobre trilhos o que vemos são incentivos (através da redução do IPI)para a compra de carros. Só no primeiro semestre do ano de 2012 as vendas de carros ultrapassaram 300 mil unidades, o que aumenta o lançamento de gases poluentes na atmosfera e gera um caos urbano (em junho desse ano a cidade de São Paulo registrou o maior congestionamento da sua história - 295 km). Porém, esse caos urbano não ocorre apenas nas grandes cidades, as cidades médias, como Juazeiro do Norte, também estão sofrendo com o aumento da quantidade de automóveis e a falta de infraestrutura urbana.

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