quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Cúpula da Unasul vai consolidar diferenças, mais que apará-las

América do Sul em estado de alerta

Miguel Ángel Bastenier
26/08/2009

É argumentável que chavistas e antichavistas ficaram com as espadas de prontidão na cúpula da Unasul realizada em Quito (Equador) há algumas semanas, apesar de grande parte da imprensa colombiana ter interpretado que o simples fato de Caracas não conseguir a condenação de Bogotá por abrigar os EUA em sete bases militares já é uma vitória. Essa situação de empate - que tem muito do roque do xadrez - é a causa de um segundo turno na estância turística de Bariloche, Argentina, onde o presidente venezuelano, Hugo Chávez, e o colombiano, Álvaro Uribe - que não quis ir ao Equador -, finalmente se encontrarão na próxima sexta-feira.

As diferenças entre Colômbia e Venezuela são históricas, e para Chávez, como para qualquer militar de seu país, toda reafirmação geopolítica de Bogotá é um fator de irritação e um toque de atenção. Aos olhos da Colômbia, a Venezuela do petróleo tem algo de maná na vizinhança; em outros tempos chegou a haver mais de 2 milhões de colombianos instalados no país vizinho, hoje não passam de um milhão, e as importações de Bogotá, que Chávez quer reduzir em benefício da Argentina e outros fornecedores, foram um balão de oxigênio para a Colômbia. Nos imaginários colombiano e venezuelano, os dois países figuram de maneira muito proeminente, e é perceptível o sentimento de superioridade cultural que os habitantes de Bogotá abrigam em relação a Caracas. Quando os colombianos comemoram esse conhecido estribilho com denominação de origem segundo o qual o castelhano melhor falado na América - e na península - é o deles, muitos pensam na Venezuela com certo desdém aristocrático.

E sobre esse complexo distanciamento até a oposição venezuelana tem dificuldades de princípio. Fernando Ochoa Antich, dirigindo-se a seus "companheiros de armas" colombianos, escreveu no domingo no jornal "El Universal" de Caracas que mesmo que fosse falso o que Chávez afirmou, de que o futuro equipamento das bases constituiria uma ameaça militar, havia sim uma ruptura do equilíbrio estratégico entre ambos os países e pedia medidas de Bogotá.

A grande maioria dos países latino-americanos se incomoda, em primeiro lugar, por ter de investir tempo discutindo as bases, mas, em segundo, que estas existam. Só dois membros da OEA - México e Peru -, e apenas Lima da Unasul, apoiam com vigor suficiente a diplomacia de Uribe, e isso por razões sabidamente conjunturais. O presidente mexicano, Felipe Calderón, porque tudo o que hoje leve o selo dos EUA é bom por definição, no estado de necessidade em que se encontra para obter o apoio americano na guerra contra o narcotráfico e o problema da emigração; e o peruano Alan García, porque seu país está indisposto ou receia todos os seus vizinhos próximos, chavistas como Bolívia, Equador e Venezuela, ou com vontade de neutros como Chile, com a única exceção da Colômbia, com a qual também rivalizaria se pudesse pelo título de primeiro ator secundário de Washington na América Latina.

E o Brasil é quem está mais incomodado porque a decisão colombiana rompe esse equilíbrio estratégico a que se referia o companheiro de armas venezuelano, mas em todo o continente. O acesso às bases decanta Bogotá em relação aos EUA, de maneira incompatível com a formação de um bloco latino-americano, como pretende o presidente Lula da Silva. Esse é o papel para o qual se autodesignou o líder brasileiro, o de máximo denominador comum das aspirações da América Latina no mundo. E por isso, para Lula teria de haver em Bariloche mais uma pacificação dos espíritos do que uma condenação referendada por uma maioria, o que poderia criar uma brecha insolúvel entre os membros da Unasul.

Chávez, com aspirações mais mundanas, não ignora por sua vez que o vago incômodo contra a Colômbia que possa animar os governos que não são chavistas, mas também não querem endossar o rótulo de "anti" qualquer coisa - Chile, Uruguai e inclusive a Argentina -, não deveria bastar para aprovar o anátema, mas o inventor do neossocialismo bolivariano tem mais que suficiente para dar um bom espetáculo que Bolívia, Equador e talvez Paraguai apoiem, e sobretudo que barre o caminho do Brasil. A cúpula, mais que aparar diferenças, vai consolidá-las, ou, no melhor dos casos, torná-las um pouco mais aceitáveis para a maioria, porque Uribe já jogou suas cartas. Por isso, em Bariloche, ninguém vai ganhar e todos dirão que ganharam.


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Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Fonte: El País
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/elpais/2009/08/26/ult581u3447.jhtm

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