segunda-feira, 3 de agosto de 2009

O risco de o Brasil virar um exportador de commoditites

exame/ economia


Luiz Gonzaga Belluzzo e Roberto Giannetti da Fonseca: O Brasil não incentiva as exportações

Luiz Gonzaga Belluzzo e Roberto Giannetti da Fonseca dizem que o governo não deu nenhum incentivo ao setor exportador durante a crise e cobram medidas como o reconhecimento do crédito-prêmio do IPI


Por João Sandrini 03.08.2009 08h09

Na última crise, o governo brasileiro tomou diversas medidas para reaquecer a economia e evitar que o Brasil tivesse uma recessão profunda. Foram beneficiados setores como o de veículos, materiais de construção, máquinas e alimentos, entre outros. Os exportadores, no entanto, não ganharam medidas específicas de apoio - apesar de as vendas de muitos produtos ao exterior terem entrado em colapso com a recessão nos Estados Unidos e na Europa, os solavancos do câmbio e o estancamento do crédito.

Em entrevista ao Portal EXAME, os economistas Roberto Giannetti da Fonseca (da Fiesp) e Luiz Gonzaga Belluzzo (da Unicamp) dizem que o Brasil não possui uma política permanente de apoio às exportações. Segundo eles, devido a essa negligência o país corre o risco de se tornar apenas um grande fornecedor de commodities a nações mais desenvolvidas - um processo que já está em curso. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, o percentual de exportações manufaturados no primeiro quadrimestre deste ano caiu para 45%, contra 52,8% no mesmo período do ano passado. Em 1993, essa parcela era de 60,8%.

Na entrevista, Belluzzo e Giannetti defendem medidas do governo na área tributária e cambial para ajudar o setor exportador. A mais urgente delas ainda depende do apoio do Ministério da Fazenda e prevê o fechamento de um acordo para o reconhecimento da existência do crédito-prêmio do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) sobre as exportações até o ano de 2002. O acordo daria um alívio tributário de 20 bilhões a 25 bilhões de reais ao setor exportador - sem comprometer a arrecadação de impostos. Leia a seguir os principais pontos da entrevista.

Portal EXAME - O Brasil já começa a deixar a crise para trás, com diversos setores mostrando bons resultados. Como está o segmento exportador?

Giannetti - O mundo começa a dar sinais de recuperação - e isso é bom para o exportador brasileiro. Mas há dois problemas: os preços dos produtos exportados continuam bem mais baixos do que antes da crise e essa recuperação da economia mundial é muito lenta. Para piorar, o governo adotou diversas medidas para reaquecer o mercado interno, mas não deu praticamente nada aos exportadores. Isso fez com que o Brasil perdesse competitividade em setores importantes. A indústria automobilística é um bom exemplo. As exportações de veículos caíram mais de 50% com a crise.

Belluzzo - Esse é um ponto importante. Eu acho que o Brasil corre o sério risco de se tornar um exportador de commodities. Para se tornar a maior exportadora de manufaturados do mundo, a China teve que adotar políticas de incentivo ao comércio exterior. No passado, a Coreia do Sul já teve um patamar de exportações semelhante ao do Brasil, mas hoje eles estão bem na nossa frente. Isso não veio de graça, houve um grande esforço para desenvolver o setor. E não acredito que as coisas vão melhorar por si só. Pelo contrário, o Brasil terá de conviver com uma enxurrada de dólares a partir do início da produção de petróleo na camada de pré-sal. Esses dólares tendem a valorizar o real ainda mais, fazendo com que o país perca competitividade em outros setores. A indústria será a mais prejudicada e precisará de medidas compensatórias.

Giannetti - O grande problema é que há no Brasil uma visão preconceituosa em relação a ajudar os exportadores. Isso já existia no governo FHC, do qual eu participei como secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior. Em uma reunião que participei em Brasília, me lembro que o Gustavo Franco [ex-presidente do Banco Central no governo FHC] disse que os empresários brasileiros deveriam vender no mercado interno ou mudar de país. É um erro o governo pensar assim. Estamos exportando investimentos e empregos para a China porque não criamos as condições necessárias para viabilizar a atividade exportadora.

Portal EXAME - E o que o governo deveria fazer?

Giannetti - A questão mais urgente a resolver é a do crédito-prêmio do IPI. O governo questiona a existência desse crédito em favor dos exportadores. No passado, toda a cadeia produtiva pagava IPI sobre os produtos exportados e o empresário tinha o direito de compensar isso na forma do créditos tributários. O Superior Tribunal de Justiça reconheceu em mais de uma centena de ações que os exportadores tinham direito ao crédito-prêmio até 1990. Entre 1990 e 2009, há uma discussão jurídica sobre a existência ou não desse benefício, mas o governo quer que o Supremo Tribunal Federal diga que não existiu o crédito-prêmio. Após uma negociação com o setor exportador, o Senado aprovou no mês passado um projeto que está no meio-termo. Os exportadores concordaram que o crédito-prêmio tenha deixado de existir a partir de 2002, abrindo mão de 110 bilhões de reais que poderiam ter sido acumulados desde então. Dos outros 70 bilhões referentes ao período 1990-2002, 50 bilhões de reais já foram liquidados. Há, portanto, um intervalo de 20 bilhões a 25 bilhões de reais ainda não-reconhecido. O projeto aprovado no Senado só reconhece esses créditos, mas a Fazenda não concorda. Clique aqui e entenda o imbróglio do crédito-prêmio do IPI.

Belluzzo - É importante frisar que o crédito-prêmio do IPI, apesar desse nome, não é um prêmio para os exportadores. Isso é apenas uma compensação dos impostos cobrados ao longo da cadeia produtiva sobre os produtos exportados. Em quase nenhum lugar do mundo os impostos são exportados como no Brasil. Os outros países não são tolos de fazer isso para não perder empregos e renda. Não faz sentido o consumidor dos outros países ajudar a financiar o governo brasileiro. Também é positivo ressaltar que as empresas continuaram a considerar a existência do crédito-prêmio do IPI até 2004 porque estavam amparadas em decisões judiciais. Elas lançaram isso no balanço e distribuíram dividendos com base nessas premissas. Se o governo não reconhecer esses créditos agora, muitas empresas vão quebrar.

Portal EXAME - Mas se o governo reconhecer o crédito-prêmio, quem poderia quebrar não é ele mesmo? Como o governo vai pagar isso em um momento de queda na arrecadação?

Giannetti - Tenho lido em algumas publicações que o reconhecimento do crédito-prêmio do IPI poderia gerar um rombo de 180 bilhões de reais nas contas do governo, mas quero deixar bem claro que essa versão não é verdadeira. Em primeiro lugar porque o acordo costurado no Senado prevê o reconhecimento de créditos que somam entre 20 bilhões e 25 bilhões de reais. Além disso, todo esse montante seria abatido da dívida ativa da União, o que não comprometeria a arrecadação futura do governo. A dívida ativa é composta por débitos de contribuintes brasileiros nas últimas décadas e alcança 600 bilhões de reais. Ou seja, o montante de 25 bilhões de reais é pequeno perto disso tudo e não criaria nenhum rombo como o governo vem dizendo. Além disso, boa parte da dívida ativa nunca será cobrada. Mas muitas empresas exportadoras dependem desses créditos para sobreviver. Elas vão quebrar, levando à perda de milhares de empregos.

Portal EXAME - E quando a Câmara deve votar esse acordo aprovado no Senado?

Giannetti - Acredito que no início de agosto. O acordo foi incluído por meio de uma emenda à medida provisória 460. Se tiver a aprovação dos deputados, a MP ainda dependerá da sanção do presidente Lula. Clique e entenda por que a Fazenda é contra o acordo.

Portal EXAME - O setor exportador cobra outras medidas do governo?

Belluzzo - Acredito que os juros poderiam continuar caindo para evitar esse atual processo de apreciação do real. A China fez isso durante a crise, eles mantiveram o yuan desvalorizado. As taxas de juros caíram em todo o mundo, o que manteria a atratividade do Brasil mesmo com uma Selic ainda mais baixa. Além disso, há um excesso de capacidade produtiva em todo o mundo porque as economias mais desenvolvidas encolheram com a crise. Isso vai manter a inflação planetária sob controle por um bom tempo ainda. O BC não precisa se preocupar com o retorno da inflação logo no início de 2010 nem terá de elevar os juros em um período pré-eleitoral. A capacidade ociosa se encarregará de manter os preços controlados no médio prazo.

Giannetti - Também acho que há muita liberdade para a entrada e saída de capitais no Brasil. Isso gera muita volatilidade no mercado de câmbio e insegurança ao exportador. O real é uma das moedas com maior volatilidade no mundo porque falta uma política cambial ao governo. Veja as perdas das empresas com derivativos de câmbio no ano passado. Veja as previsões dos bancos de investimentos para o dólar no início deste ano. Todo mundo achava que o dólar chegaria a dezembro em 2,10 ou 2,20 reais. Agora já estamos abaixo de 1,90 real e muita gente fala que chegaremos em breve a 1,60 real.

Portal EXAME - Mas o BC tem comprado bilhões de dólares no mercado. O que mais ele pode fazer para conter esse movimento de desvalorização do dólar, que é mundial?

Giannetti - O problema é que o BC não acha que é papel dele prover a estabilidade cambial. Eu não defendo o câmbio fixo, mas o BC deveria comprar mais dólares. As reservas cambiais brasileiras parecem grandes porque somam 200 bilhões de dólares, mas isso é pouco em comparação ao PIB. Na China, as reservas somam 2 trilhões de dólares.

Portal EXAME - O BC investe as reservas internacionais do jeito correto?

Belluzzo - O Ministério da Fazenda deveria assumir a administração das reservas internacionais no lugar do BC. O papel do BC deve ser o de cuidar da política monetária. Sob o comando do Ministério da Fazenda, as reservas seriam gerenciadas a partir da criação do fundo soberano. O Tesouro terá mais autonomia do que o BC para decidir onde investirá esse dinheiro. O fundo é necessário devido aos recursos do pré-sal. É lá que vai ser depositada a enxurrada de dólares que será gerada pela exportação do petróleo.


FONTE: Revista EXAME. Agosto de 2009.

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