quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Exterior guarda surpresas desagradáveis ao Brasil

Ana Clara Costa

Cenário

Seminário organizado por VEJA e pela Tendências Consultoria coloca em debate os principais desafios da economia mundial e seus efeitos sobre o país em 2011

Turbulências prosseguirão ao longo de 2011 (Getty Images/Comstock Images)

 

Não bastassem os problemas puramente domésticos, o governo da futura presidente Dilma Rousseff terá de lidar com uma série de desafios impostos pela instabilidade na economia mundial. Podem afetar o país, principalmente, os desdobramentos das turbulências na Europa e das políticas do governo dos Estados Unidos para retomar uma trajetória consistente de crescimento. A avaliação consensual foi verificada nesta terça-feira no seminário “Turbulência à Vista na Economia Mundial – Cenários para 2011”, organizado por VEJA e pela Tendências Consultoria. O evento reuniu em São Paulo alguns dos principais economistas brasileiros, que discutiram os temas que deverão dominar a agenda econômica internacional no próximo ano.

A realidade a ser enfrentada pela presidente eleita será bem diferente daquela vivenciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, que assumiu a presidência em um momento global favorável – a instabilidade que se verificou naquele momento foi devida unicamente às desconfianças dos investidores de uma possível guinada na política econômica, que, felizmente, não ocorreu. “A crise financeira se prolongou e seus efeitos são notados nas economias centrais, inclusive na brasileira”, afirma Márcio Holland, economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A crise europeia é entendida pelos especialistas como mais grave do que a americana. A situação de estagnação econômica e elevadíssimo déficit fiscal de alguns países do bloco é agravada por problemas de insolvência bancária que afetam a Grécia e a Irlanda. Estas questões formam um emaranhado de difícil resolução e poderão culminar na saída de alguns integrantes da zona do euro. Tal cenário de fracasso político e econômico, antes dado como improvável, começa a ser vislumbrado pelos economistas. “Se as coisas continuarem como estão, o euro vai se estilhaçar”, afirma o ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências, Maílson da Nóbrega.

Na avaliação dos participantes, a situação crítica da união monetária tem sua origem não só na estrutura dos pesados gastos públicos dos países-membros, mas também na inclusão de economias muito díspares em um mesmo bloco. “A região, hoje se vê com maior clareza, deu um passo maior do que a perna ao criar a zona do euro”, afirma Samuel Pessoa, da FGV. O pior cenário vislumbrado envolve Irlanda e Grécia (e, possivelmente, Portugal); na hipótese de estes países não conseguirem honrar seus compromissos de dívida e decidirem abandonar o bloco. “Isso poderia gerar um enorme nervosismo entre os investidores, o que seria desfavorável para todas as economias mundiais”, acrescenta o economista.

Já o lento ritmo de crescimento da economia americana (cravado em 2,5% este ano) dá razões adicionais para a equipe econômica de Dilma começar a se preocupar. Para acelerar a recuperação, o Federal Reserve (FED) – o banco central americano – sinaliza que não medirá esforços e poderá, mesmo em 2011, injetar liquidez na economia por meio da política de ‘afrouxamento quantitativo’ (quantitative easing). Tal medida significa a compra antecipada e maciça pelo FED de títulos do Tesouro americano em poder do mercado. Em outras palavras, significa que novos dólares passarão a circular e, pela lei de oferta e demanda, tendem a perder valor.

O afrouxamento quantitativo já pressionou a valorização do real e de outras moedas emergentes ao longo de 2010 e poderá voltar a fazê-lo no ano que vem. Apesar de controversa, trata-se da única saída que resta aos EUA para tentar reaquecer o consumo e o crédito – uma vez que a taxa de juros do país já está próxima de zero. Na avaliação do economista da gestora de recursos Opus e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), José Márcio Camargo, a injeção de liquidez sozinha não será suficiente para tirar os EUA do contexto de lentidão econômica. O país precisará efetuar reformas internas (fiscais e trabalhistas) efetivas para conseguir reverter o quadro. “Caso as reformas sejam feitas, o país ainda deverá passar por dois anos de baixo crescimento. Não deverá haver recessão”, prevê Camargo.

A economia doméstica terá de estar saudável para enfrentar incertezas tanto em relação ao desempenho americano quanto aos problemas da Europa. No tocante à China, o foco de preocupação são os sinais de que Pequim continuará a adotar medidas para esfriar a economia local, o que poderá ter efeito sobre as exportações brasileiras.

O ataque às históricas deficiências estruturais do país – que passam por ajuste fiscal, redução da carga tributária, investimento maciço em educação, entre outros medidas – é visto como primordial pelos especialistas. Tendo em vista que o governo brasileiro nada pode fazer para mudar o contexto desfavorável no exterior, as mudanças internas ganham importância ainda maior. Com a chancela conferida pela necessidade de fazer política anticíclica para proteger a economia da crise internacional, os gastos públicos alcançaram o céu nos últimos anos – e são vistos como os principais vilões do crescimento sustentável. “É preciso verificar a qualidade desses gastos. Estamos construindo desequilíbrios que poderão ser insustentáveis no longo prazo”, afirma o ex-presidente do Banco Central e sócio da Tendências, Gustavo Loyola.

Os economistas colocam em xeque a controversa ideia de que o pujante consumo interno é a solução para todos os problemas. “Apenas o mercado interno não é suficiente para sustentar o crescimento de longo prazo. É preciso investir mais e dar competitividade à indústria”, afirma Márcio Holland, da FGV. A baixa competitividade (de natureza estrutural) é revelada e, cada vez mais, ameaçada justamente pela apreciação do real.

Neste sentido, a redução dos custos internos de produção é uma das únicas trincheiras de proteção que o Brasil pode utilizar atualmente. Outra medida seria a adoção de novos controles de entrada de capital por parte do governo, como o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), executado ao longo do último trimestre, para dificultar a entrada de dólares que visavam investimentos de curto prazo no país. A eficácia dessa política, no entanto, ainda é relativa. “Medidas como essa são paliativas e têm efeito de curto prazo. Ainda não são suficientes para sanar o câmbio”, diz Holland.

 Fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/economia/exterior-deve-trazer-surpresas-desagradaveis-ao-brasil

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