sábado, 9 de março de 2013

O jogo de interesses dos conservadores com o Obamacare

Paul Krugman

Professor de Princeton e colunista do New York Times desde 1999, Krugman venceu o prêmio Nobel de economia em 2008 
Americanos comemoram decisão da Suprema Corte dos EUA que, em junho, decidiu manter o programa Affordable Care Act (ou Obamacare), a ampla reforma da saúde promovida pelo presidente Barack Obama



Os conservadores gostam de dizer que a posição política deles está totalmente vinculada à liberdade econômica e que, por isso, eles querem fazer com que o papel do governo, em geral, e os gastos do governo, em particular, sejam os menores possíveis. E não há dúvida de que existem conservadores que realmente têm uma visão idealista como essa.

Mas, quando se trata dos conservadores com poder real, há uma visão alternativa e mais cínica para as suas motivações --ou seja, a visão segundo a qual tudo está relacionado a confortar os confortáveis e afligir os aflitos, de dar mais para aqueles que já tem muito. E, se você quiser fortes evidências em favor dessa visão cínica, olhe para o atual estado do Medicaid.

Alguns antecedentes: o Medicaid, que oferece seguros de saúde para os norte-americanos de baixa renda, é um programa muito bem-sucedido e que está prestes a crescer, pois sua expansão é uma peça-chave da Affordable Care Act (Lei da Assistência Acessível), também conhecida como Obamacare.

Há, no entanto, uma pegadinha aí. A decisão da Suprema Corte de defender o Obamacare no ano passado também abriu uma brecha para que os Estados sejam capazes de rejeitar a expansão Medicaid se assim desejarem. E muitos governadores republicanos têm proferido palavras duras ao dizerem que se manterão firmes contra a noção terrível e tirânica de ajudar as pessoas que não têm seguro de saúde.

Mas, no final das contas, a maioria dos Estados provavelmente aceitará a expansão do Medicaid por causa dos grandes incentivos financeiros: o governo federal vai pagar o custo total da expansão durante os primeiros três anos, e os gastos adicionais beneficiarão hospitais, médicos e pacientes. Ainda assim, alguns dos Estados que têm permitido a contragosto que o governo federal ajude seus cidadãos mais necessitados estão colocando uma condição para a liberação dessa ajuda, pois insistem que ela deve ser administrada por empresas privadas de seguros. E isso diz muito sobre o que os políticos conservadores realmente querem.

Considere o caso da Flórida, cujo governador, Rick Scott, fez sua fortuna pessoal no setor de saúde. E, por falar nisso, a empresa de Scott se declarou culpada de acusações criminais e pagou US$ 1,7 bilhão em multas relacionadas a fraudes contra o Medicare. De qualquer forma, Scott foi eleito como um feroz opositor do Obamacare, e a Flórida participou da ação judicial para solicitar que a Suprema Corte declarasse inconstitucional o projeto como um todo. No entanto, Scott chocou recentemente os ativistas do Tea Party ao anunciar seu apoio à expansão do Medicaid.

Mas o apoio de Scott estava vinculado a uma condição: ele estava disposto a fornecer cobertura a um número maior das pessoas que não têm plano de saúde apenas depois de receber uma isenção que permitiria que ele administrasse o Medicaid por meio de empresas privadas de seguros. Mas por que Scott iria querer fazer isso?

Nem me fale sobre o livre mercado. Essa postura está totalmente relacionada com gastar o dinheiro dos contribuintes, e a questão é saber se esse dinheiro deve ser gasto diretamente para ajudar as pessoas ou se ele deve ser destinado a um grupo de intermediários privados.

E apesar de algumas frágeis alegações em contrário, a privatização do Medicaid vai acabar exigindo um aumento --e não a diminuição-- dos gastos do governo, pois há provas contundentes de que o Medicaid é muito mais barato do que os seguros particulares. Em parte, isso tem a ver com custos administrativos menores, pois o Medicaid não faz propaganda nem gasta dinheiro tentando evitar estender sua cobertura a determinadas pessoas. Mas grande parte dessa situação reflete o poder de barganha do governo e sua capacidade de impedir a manipulação de preços por parte dos hospitais, das empresas farmacêuticas e de outras partes do setor de assistência médica.

Há muita manipulação de preços na área de assistência médica --fato conhecido há muito tempo pelos economistas que trabalham com a área da saúde, mas que foi documentado de maneira especialmente explícita em uma recente reportagem publicada pela revista Time. Como afirma Steven Brill, autor da reportagem, os indivíduos que tentam obter um plano de saúde podem ter que arcar com custos altíssimos-- e até mesmo as grandes empresas privadas de planos de saúde têm uma capacidade limitada de controlar os abusos por parte dos provedores de serviços dessa área. O Medicare se sai muito melhor nesse quesito e, embora Brill não diga isso, o Medicaid --que tem uma capacidade maior de dizer não-- parece se sair ainda melhor.

Nesse caso, você pode estar se perguntando: por que grande parte do Obamacare será administrada por seguradoras privadas? A resposta é: devido ao poder político em estado bruto. Permitir que o setor de assistência médica continuasse cobrando tarifas extorsivas livremente foi, na realidade, o preço que o presidente Barack Obama teve que pagar para conseguir que sua reforma do sistema de saúde fosse aprovada. E, como a recompensa seria o fato de que dezenas de milhões de norte-americanos passariam a ter um plano de saúde, esse era um preço que valia a pena pagar.

Mas por que deveríamos insistir em privatizar um programa de assistência médica que já é público e que faz um trabalho muito melhor do que o setor privado em controlar seus custos? A resposta é bastante óbvia: o outro lado da questão do aumento dos custos para os contribuintes é o aumento dos lucros do setor de assistência médica.

Por isso, ignore toda a conversa sobre o excesso de gastos do governo e o excesso de ajuda financeira fornecida a parasitas que não a merecem. Enquanto os gastos continuarem enchendo os bolsos certos e os beneficiários indignos da generosidade pública forem corporações com conexões políticas, os conservadores com poder real aparentemente continuarão gostando do "Governo Grande".
 
Fonte: http://noticias.uol.com.br/blogs-e-colunas/coluna/paul-krugman/2013/03/06/o-jogo-de-interesses-dos-conservadores-com-o-obamacare.htm
Tradutor: Cláudia Gonçalves 

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